2009: um ano perdido


Sérgio Vale
Economista-chefe da MB Associados
sergio.vale@mbassociados.com.br
 

 

A decisão de baixar a Selic em 150 pontos base foi a mais correta do nosso ponto de vista. Menos do que isso não seria justificado pelas atuais condições de atividade e principalmente de inflação. Mais do que isso poderia dar uma idéia de que a pressão da opinião pública poderia ter interferido em sua decisão.

Mas haveria justificativa para mais do que 150 pontos? Sim e podemos recordar o próprio Fed, que em janeiro de 2008 ousou de forma surpreendente. Além de ter feito uma reunião extraordinária ele baixou naquele momento a taxa básica em 75 pontos base, lembrando que os Fed Funds já estavam em 4,25%. Houve uma justificativa teórica na época, dada por um dos integrantes do Comitê, Frederick Mishkin, de que em tempos inéditos, medidas inéditas também seriam necessárias. E naquele momento nem os eventos Bear Sterns e Lehman Brothers tinham ocorrido.

Dada que nossa taxa de juros, que era de 12,75%, é considerada elevada em qualquer perspectiva que se olhe, o Banco Central (BC) poderia usar a justificativa de tempos inéditos para ser mais ousado e mesmo reduzir as reuniões.

Por que ele não o faz? Diferente do BC americano, nosso BC ainda sofre de falta de independência, apesar da credibilidade ser alta. A independência nesse sentido é importante em momentos de crise, pois o BC poderia abrir mão de medidas ousadas sem pecar por sua credibilidade, assim como fez o BC americano. No nosso caso, em que o BC sofre ataques permanentes e por todos os lados, talvez a falta de uma independência mais efetiva segure um comportamento mais ousado que poderia ser lido de forma errada, como uma fraqueza do BC por ceder aos apelos do governo. Vale lembrar que ninguém via o ex-presidente Bush implorando por queda nos Fed Funds.

Mas esse é o ponto teórico da discussão, que nem adianta ter nesse momento, aliás, e por dois motivos. Primeiro, o presidente do BC será trocado no semestre que vem por razões de sua candidatura a algum cargo em Goiás. Apesar de ninguém considerar isso no cenário, esse movimento será crucial para determinar o comportamento do BC em 2010, ano eleitoral importante. Uma possibilidade de que a troca no BC não cause turbulência pode ser dada pelo próprio BC. Ao entregar o BC para o próximo presidente, a Selic já estará provavelmente em um dígito, mais precisamente os 9,25% que acreditamos ser o mais provável nesse momento. Isso diminui o risco de quedas abruptas e intensas, adicionais na taxa de juros. Na tese do há males que vem para o bem, a crise pode, no final, suavizar uma transição que, em tempos normais, poderia causar stress no mercado. E o segundo ponto é a política monetária que será sugerida pelos candidatos a presidente da República, que parecem sugerir alterações profundas na condução da política monetária.

Dessa forma, falar em independência do BC nos próximos anos está fora de cogitação. Isso, na teoria, poderia impedir uma ação mais ousada do BC nesse momento.

E em termos empíricos, digamos, a atividade e a inflação sugerem que o BC poderia ser mais ousado e continuar com as quedas nos juros para abaixo de um dígito já em junho? Esse é o ponto relevante e o BC tem todas as justificativas para continuar nessa trajetória. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 12 meses já deve atingir 4,5% até meados do ano. Mesmo com altas em medicamentos, energia e outros fatores de pressão nos próximos meses, é provável que o IPCA ficará rodando em torno de 0,35% até o final do semestre. Tanto que ajustamos o IPCA de 2009 de 4,7% para 4,5%.

Para 2010, os riscos parecem ser menores ainda. Preços administrados não serão problema por conta da baixa indexação que 2009 levará para o ano que vem. Serviços, item geralmente com alta rigidez, tende a sentir os efeitos da desaceleração, mas leva tempo para aparecer, pois não há a competição favorável que há nos preços comercializáveis, por exemplo. E estes últimos dependem da evolução da taxa de câmbio. Em termos reais, a pressão que tivemos nos últimos meses nem de longe lembra o ocorrido em outras crises, o que dificulta repasses mais agressivos de câmbio para os preços, ainda mais em condições de atividade fraca como hoje. E quando falamos em atividade fraca significa dizer PIB estagnado em 2009, sem contar que já estamos em recessão desde o final do ano passado. Até agora, investimentos e exportações foram os segmentos mais afetados. Daqui para frente, com o espalhamento da crise para outros setores, devemos ver um aprofundamento desse ajuste em direção ao consumo. Isso virá de uma desaceleração substancial da massa real de renda e de um crescimento importante da taxa de desemprego, que já deve superar os 9% nos próximos meses.

Por tudo isso, parece razoável supor um cenário de Selic baixa nos próximos dois anos, ficando para o próximo presidente os prováveis ajustes que ocorrerão na política monetária. Mas não tão baixa por conta dos riscos colocados aqui. Por isso, uma Selic de 9,25% até o final de 2009 parece ser o mais provável. Isso tudo depende de um cenário internacional que comece a melhorar em 2010, pois 2009, tanto para o Brasil quanto para o mundo pode ser considerado um ano perdido.

 

Esta é a edição nº 28 do informativo eletrônico, Panorama do Leite, de 20 de março de 2009, uma publicação mensal de responsabilidade do Centro de Inteligência do Leite CILeite, criado em parceria entre a Embrapa Gado de Leite e a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais – Seapa. Embrapa Gado de Leite – Chefe-geral: Duarte Vilela, Chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento: Rui da Silva Verneque, Chefe-adjunto de Comunicação e Negócios: Carlos Eugênio Martins e Chefe-adjunto de Administração: Antônio Vander Pereira. Editora Geral: Rosangela Zoccal. Coordenador de Jornalismo: Rubens Neiva. Redação: equipe técnica do CILeite. Colaboração: Pedro Gomide e Leonardo Gravina. Projeto gráfico: Marcella Avila.

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