Tendência crescente dos preços agrícolas?


Antônio Salazar P. Brandão - Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ e
Eliseu Alves - Assessor do Diretor Presidente e Pesquisador da Embrapa
 

          

Muitos analistas vêm se dedicando a examinar o crescimento dos preços de commodities no período recente. A tabela abaixo documenta que efetivamente tem havido aumentos de preços expressivos para commodities agrícolas. Entre 2004 e 2007 o preço do trigo aumentou 48%, o do milho 33% e o do arroz 23%. A soja, que já estava com preços elevados em 2004, subiu mais 4%. Os óleos vegetais, soja e palma, também mostraram aumentos importantes: 23% e 50% respectivamente entre 2004 e 2007. O açúcar atingiu o preço mais elevado em 2006, porém continua com seu preço 20% acima do valor alcançado em 2004.

 

Entretanto, alguns preços permaneceram estáveis ou caíram, como são os casos das carnes e do farelo de soja.

 
Preços reais de produtos agrícolas selecionados e índice geral de preços de commodities
Ano Arroz Milho Soja Trigo Óleo de soja Óleo de palma
Unidade US$/ton US$/ton US$/ton US$/ton US$/ton US$/ton
2004

254

116

287

162

611

450

2005

288

98

223

152

496

368

2006

294

118

211

186

534

404

2007

313

154

298

240

752

676

Ano Carne bovina Carne Suína Carne de frango Farelo de soja Açúcar Índice geral
Unidade UScents/libra UScents/libra UScents/libra UScents/libra UScents/libra 2005 = 100
2004

118

73

78

266

8

83

2005

119

68

74

206

10

100

2006

112

62

67

188

14

117

2007

111

60

74

248

9

127

 

Apesar dos aumentos expressivos notados para muitos produtos agrícolas, nenhum deles é superior à variação do índice geral de preços de commodities calculado pelo FMI, mostrado na última coluna da tabela, que inclui os combustíveis e os metais, além dos produtos agrícolas. Conclui-se que o crescimento dos preços agrícolas, ainda que expressivo, não está descolado do comportamento das demais commodities.

 

Por um lado o fenômeno se deve ao crescimento da economia mundial nos últimos anos que impulsionou a demanda por todas as commodities. Ressalte-se também o comportamento da China com compras substanciais de diversos produtos.

 

Por outro lado, fatores específicos também influenciaram o comportamento dos preços agrícolas. Problemas climáticos provocaram quebras na safra de trigo nas principais regiões produtoras. Demanda crescente e estoques baixos explicam, em grande medida, o comportamento do preço do arroz. Analogamente, o aumento da demanda para produção de bioenergia justifica os aumentos observados nos preços dos óleos de palma e de soja, bem como no do milho. Os dois primeiros são matérias primas para a produção de biodiesel e o milho é a principal matéria prima usada na produção de etanol nos EUA.

 

O estímulo para a demanda por bioenergia advém da tendência crescente dos preços do petróleo bem como da mobilização mundial para redução da emissão de gases causadores de aquecimento global. Cana de açúcar, milho, óleos de palma, de soja e de canola estão entre as matérias primas usadas para produção de etanol e biodiesel. O óleo de canola, cujas cotações de preços não estão disponíveis na fonte aqui utilizada, também vem apresentando alta de seus preços.

 

Apesar da crescente demanda mundial por etanol, seu preço, que não aparece na tabela acima, não apresentou elevação tão forte quando das outras commodities agrícolas usadas na produção de biocombustíveis. Nem mesmo o açúcar, que, no Brasil, compete com o etanol por cana de açúcar, apresenta comportamento diferente de seu padrão histórico. O menor crescimento do preço do etanol está associado ao fato de que há uma expressiva expansão da produção de cana de açúcar e que, ademais, esta expansão não ocorre em áreas de produção de grãos, mas principalmente em áreas de pastagens, principalmente aquelas que têm baixo nível de utilização. Ao mesmo tempo a pecuária no Brasil está se modernizando e usando menores quantidades de terra por unidade produzida.

 

Já nos Estados Unidos, a expansão da produção de milho se faz à custa de áreas ocupadas com outros grãos, em especial a soja. O custo de oportunidade da terra é mais alto lá do que no Brasil simplesmente porque aquele país tem menos áreas novas, ou com produtividade da terra muito baixa, para explorar. Os elevados investimentos que fizemos no setor sucro alcooleiro estão garantindo a expansão da produção de etanol sem avançar nas áreas ocupadas com grãos.

 

Os países da Europa também têm severas limitações de terra para expandir a produção de matérias primas usadas para biodiesel.

 

É interessante ainda observar que o preço das carnes mantém-se com pequena tendência de queda. Pode-se argumentar que, por um lado, a crescente produtividade deste segmento no Brasil está contribuindo para isto. Por outro lado, o farelo de soja, importante insumo para o setor, apresentou substancial queda de preço até 2006. Apesar de ter apresentado alguma recuperação em 2007 a queda do preço poderá perdurar. Isto ocorrerá a despeito do aumento do preço da soja, pois o maior consumo do óleo para fins energéticos deve induzir esmagamento do grão acima do crescimento da demanda por farelo advinda da produção de carnes. Como o óleo e o farelo são produzidos conjuntamente, é bem provável que os preços deste possam cair.

 

Será que os preços dos grãos irão continuar nestes patamares mais elevados ou irão diminuir? Como a volatilidade dos mercados é elevada certamente períodos de preços baixos irão ocorrer. O desaquecimento da economia mundial, por exemplo, poderia vir a provocar queda de preços neste ano e no próximo.

 

Entretanto, é importante distinguir entre variações cíclicas dos preços e sua tendência. Em relação a esta última, existem elementos que apontam no sentido de elevação. Os principais deles são: a crescente demanda mundial por bioenergia, a existência de disponibilidade relativamente pequena de terras para expansão da agricultura no mundo, e o número crescente de restrições de natureza ambiental para que o solo seja usado na produção agrícola. O efeito conjunto dos três poderá manter os preços ao longo de uma tendência crescente, em termo dos respectivos produtos, mas não em termos do índice de preço geral de commodities.

 

Não pode ser ignorado, entretanto, o fato de que existem elementos que continuarão pressionando os preços ao longo de uma tendência de queda. As descobertas e a geração de tecnologias guiadas pela ciência têm provocado o crescimento da produtividade da terra que é um fator dominante para explicar o crescimento da oferta. Na medida em que a revolução verde se difundiu em todo mundo, a oferta de alimentos, fibras e energéticos se expandiu a taxas mais elevadas que a demanda, sendo isto responsável pela tendência declinante do preço.

 

Estes elementos ainda estão atuando e novas tecnologias capazes de sustentarem o crescimento da oferta irão surgir. Quando os preços são favoráveis, expande-se a produção com o uso de mais insumos modernos, como fertilizantes e defensivos, terras em pousio retornam à produção e aperta-se a supervisão em todas as fases do ciclo produtivo. Em seguida costumam entrar em cena tecnologias que se mostraram pouco lucrativas no passado, e que, quase sempre, têm grande poder de expandir a produção. Ainda, os cientistas são estimulados a terminarem mais rapidamente os projetos em andamento e a se aventurarem em assuntos mais difíceis. Tudo isto, mais o apetite de lucro dos agricultores, estimulado por preços elevados, contribui para a oferta crescer.

 

Raul Prebisch, economista argentino que viveu entre 1901 e 1986, argumentou em diversos trabalhos, a maioria deles escritos entre 1940 e 1970, que haveria uma tendência para os preços dos produtos agrícolas declinarem relativamente ao preço das manufaturas. Quando Prebisch escreveu seus trabalhos não existiam restrições ambientais significativas ao uso do solo e não havia demanda por matérias primas agrícolas com fins de produção de energia. Inúmeros testes estatísticos foram feitos para verificar a validade da hipótese e a maioria deles rejeitou a existência de uma tendência decrescente¹ . Contudo, nenhum trabalho mostrou uma tendência crescente dos preços agrícolas.

 

Os fatos ocorridos nos últimos anos indicam que há novas forças poderosas impulsionando os preços para cima e é bem provável que elas superem os efeitos baixistas que estiveram à frente da dinâmica dos preços no século passado. Ainda há um elemento novo na demanda de combustíveis: ela não está sujeita aos limites do estômago, e, sendo assim, a elasticidade renda não converge para zero com o incremento da renda. Contudo, a história tem demonstrado a enorme capacidade da ciência de fazer a oferta crescer mais que a demanda. As lições do passado vão prevalecer em face das restrições que pesam sobre a expansão da fronteira agrícola? Ou ainda, as restrições ambientais vão resistir ao aumento dos preços dos alimentos? A saída confortável, sem conflitos com as tendências preservacionistas modernas, é investir mais em ciência e tecnologia, principalmente, em engenharia genética, investir no agricultor e investir em infra-estrutura.

 

[1] Uma resenha recente sobre a hipótese de Prebisch e uma atualização dos testes para os termos de troca no Brasil pode ser encontrada em Brandão, Antônio Salazar P. The terms of trade: the debate revisited again: the case of Brazil, trabalho apresentado no Simpósio Towards Global Food and Agricultural Policy for an Open International Economy, realizado em homenagem ao Prof. G. Edward Schuh, Minneapolis, 2 de maio de 2007.

 

 

Esta é a edição nº 18 do informativo eletrônico, Panorama do Leite, de 15 de abril de 2008, uma publicação mensal de responsabilidade do Centro de Inteligência do Leite CILeite, criado em parceria entre a Embrapa Gado de Leite e a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais – Seapa. Embrapa Gado de Leite – Chefe-geral: Paulo do Carmo Martins, Chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento: Pedro Braga Arcuri, Chefe-adjunto de Comunicação e Negócios: Marne Sidney de Paula Moreira e Chefe-adjunto de Administração: Luiz Fernando Portugal Silva. Editora Geral: Rosangela Zoccal. Coordenador de Jornalismo: Rubens Neiva. Redação: equipe técnica do CILeite. Colaboração: Vanessa Maia A. de Magalhães. Projeto gráfico: Marcella Avila. Estagiárias: Milana Zamagno e Katyelen da Silva Costa.

 

 

Para não receber mais este newsletter do Centro de Inteligência do Leite. Clique aqui