Uma análise conjuntural da produção de leite brasileira


Rosangela Zoccal e Alziro Vasconcelos Carneiro – Pesquisadores da Embrapa Gado de Leite rzoccal@cnpgl.embrapa.br
 

          

O Brasil tem potencial para aumentar sua produção de leite em ritmo bem maior do que a Argentina, grande concorrente na América do Sul. Esta foi uma das conclusões da reunião realizada pela Federação Panamericana da Indústria de Laticínios (Fepale) no final de 2007. A produção de leite nos 10 países da América do Sul somou 50,2 bilhões de litros (Brasil - 25,3 bilhões de litros; Argentina - 8,1; Colômbia - 6,7; Equador - 2,5; Chile -2,4; Uruguai -1,8; Peru -1,3; Venezuela -1,3; Paraguai - 0,3 e Bolívia - 0,2). Somente o Brasil produz 50% deste volume, de acordo com os dados da FAO. No cenário mundial, o Brasil ocupa a 6º posição, ficando atrás somente dos EUA (82,4 bilhões de litro), Índia (39,8), China (32,2), Rússia (31,1) e Alemanha (28,5). A produção mundial, em 2006, foi de 546 bilhões de litros.

 

A importância que a atividade leiteira adquiriu no País é incontestável, tanto no desempenho econômico como na geração de empregos permanentes. A produção brasileira, em 2007, foi estimada em 26,4 bilhões de litros, gerando um valor bruto da produção de aproximadamente R$ 15 bilhões (CNA, 2008). O setor primário envolve cerca de cinco milhões de pessoas, considerando, também, os 1,3 milhões de produtores de leite.

 

Duas características são marcantes na pecuária de leite brasileira: a primeira é que a produção ocorre em todo o território nacional. Existe informação de produção de leite em 554 microrregiões, das 558 consideradas pelo IBGE. A segunda característica é que não existe um padrão de produção. A heterogeneidade dos sistemas de produção é muito grande e ocorre em todas as unidades da federação. Existe desde propriedades de subsistência, sem técnica e produção diária menor que dez litros, até produtores comparáveis aos mais competitivos do mundo, com tecnologias avançadas e produção diária superior a 60 mil litros.

 

Estima-se que 2,3% das propriedades leiteiras são especializadas e atuam como empresa rural eficiente. Esses sistemas de produção respondem por aproximadamente 44% do total de leite do País. Por outro lado, 90% dos produtores são considerados pequenos, com baixo volume de produção diário, baixa produtividade por animal e pouco uso de tecnologias. Apesar de representarem a maioria dos produtores brasileiros de leite, respondem por apenas 20% da produção total. Existe ainda um grupo intermediário, formado por 7,7% dos produtores, que respondem por 36% da produção (Stock et al., 2007).

 

A produção de leite no Brasil acompanha o processo de urbanização e colonização do território nacional. Portanto as regiões onde há concentração de população, também apresentam elevada produção de leite. Em 1975 o País produziu aproximadamente oito bilhões de litros de leite. Na Fig. 1 estão destacadas as microrregiões que concentravam 75% da produção nacional de leite, ou seja, seis bilhões de litros. As microrregiões foram agrupadas de acordo com a densidade de produção, isto é, litros de leite por área, de forma que cada grupo representasse aproximadamente 25% do volume total de leite do País.

 

As regiões mais importantes na atividade leiteira eram semelhantes às áreas mais urbanizadas do País, como é o caso da região centro-sul de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Na Região Sul as microrregiões que mais se destacaram estavam espalhadas nos três estados, (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). No Centro-Oeste a região central de Goiás apresentou maior produção de leite. No Nordeste aparecem microrregiões no Agreste alagoano, pernambucano e paraibano.

 

 

Fonte: IBGE/PPM;
Elaboração: R. Zoccal – Embrapa Gado de Leite.
Figura 1: Microrregiões classificadas por densidade de produção e que totalizavam 75% do volume total de leite em 1975.
 

A produção de leite no Brasil vem crescendo a taxas ao redor de 4% ao ano nos últimos anos. Em 2007 estima-se que se produziu 26,4 bilhões de litros. Esse volume de leite é suficiente para que cada brasileiro tenha disponível diariamente pouco menos que dois copos de leite (0,387 litros/habitante/dia). Para atender o consumo recomendado pelo Ministério da Saúde (210 litros por pessoa/ano ou 0,575 litros/dia), o volume total da produção de leite deveria ser de 39 bilhões de litros, considerando a população brasileira composta de 186,9 milhões de habitantes.

 

Em 2007, as microrregiões que concentravam 75% da produção nacional de leite estão destacadas na Figura 2. As microrregiões foram classificadas de acordo com os índices de produção de leite por área, ou seja, densidade.

 

Observando os mapas mostrados nas Figuras 1 e 2, alguns pontos são importantes e devem ser mencionados:

  • expansão e intensificação da atividade leiteira nos estados da Região Sul;

  • aumento da produção no Triângulo Mineiro e centro-sul de Goiás;

  • crescimento da produção de leite em áreas não-tradicionais, como é o caso de Rondônia;

  • São Paulo, que produzia 1,8 bilhões de litros, reduziu sua representatividade no cenário nacional.

 

Fonte: IBGE/PPM;
Elaboração: R. Zoccal – Embrapa Gado de Leite.
Figura 2: Microrregiões classificadas por densidade de produção e que totalizavam 75% do volume total de leite em 2007.
 

Em uma análise das mudanças geográficas da pecuária de leite, as microrregiões foram classificadas considerando o acréscimo no volume de leite produzido nos últimos dez anos (1998 a 2007). Foram destacadas somente as 72 microrregiões que apresentaram, no mínimo, aumento de 36 milhões litros por ano, ou aproximadamente 10 mil litros de leite por dia, na área de abrangência da microrregião.

 

Quatro regiões onde ocorreram os maiores incrementos do volume de leite produzido coincidiram com regiões de alta densidade de produção, como pode ser observado na Figura 3. A primeira delas é no Sul do País, nas regiões do norte do Rio Grande do Sul, oeste de Santa Catarina e sudoeste do Paraná. A segunda grande região de crescimento do leite compreende o centro-sul de Minas Gerais, Zona da Mata Mineira, Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, Vale do Rio Doce e Vale do Mucuri no Estado de Minas Gerais. A terceira região localizada no estado de Rondônia e leste do Acre, onde a produção de leite continua crescendo e cada vez mais se solidifica a vocação leiteira do estado. A quarta é no Nordeste, onde aparecem microrregiões que se destacam pelo incremento da produção de leite, principalmente na região do Agreste.

 

Duas grandes regiões que se destacaram pelo crescimento da produção e não eram tradicionais na atividade são o centro-leste do Pará e o centro-oeste do Maranhão. Outra região, não tão grande quanto a anterior, mas que se destacou estava localizada na Bahia.

 

A dinâmica da atividade, considerando os aumentos da quantidade produzida, mostrou que o leite tem crescido nas áreas tradicionais e em áreas não-tradicionais. Em Chapecó a produção de leite passou de 122 milhões (1998) para 454 milhões de litros de leite (2007). São Félix do Xingú, no Pará, produzia 32 milhões em 1998. Hoje, produz 177 milhões de litros de leite.

 

 

Fonte: IBGE/PPM;
Elaboração: R. Zoccal – Embrapa Gado de Leite.
Figura 3: Microrregiões classificadas pelo aumento do volume de leite em 1998 e 2007.
 

Muitos fatores contribuíram para as mudanças ocorridas na atividade leiteira brasileira. Entre eles podemos destacar:

  • Na Região Sul existe um forte atrativo dado pela possibilidade de aumento de renda por área, quando comparada com a cultura de grãos. Tem ocorrido expansão das áreas de pastagens perenes com melhoria no manejo e adubação, aumento de conservação de forragens, especialmente ensilagem de forrageiras de inverno como a aveia branca, cevada e trigo. A instalação e projeto de novas indústrias na região também colaboram para o aumento da produção de leite.

  • Na Região Norte o crescimento se dá principalmente por ingresso de novos produtores, que na maioria são assentados da reforma agrária ou participante de projetos de colonização. Esses produtores têm inicialmente a garantia de alimento para a família. Quando aumentam um pouco a produção, passam a ter uma renda mensal e os animais servem de poupança.

A produção brasileira de leite ainda tem muitos aspectos para melhorar. Alguns deles são a sanidade do rebanho, a qualidade do leite produzido, a produtividade animal e por área, a alimentação (principalmente do período de seca) e administração da produção. No Brasil, existe tecnologia disponível para que a produção seja comparável aos padrões internacionais.

 

A demanda interna tem crescido sistematicamente, porém de forma lenta. O consumo per capita encontra-se relativamente estagnado e tem sofrido concorrência de vários outros produtos, como os sucos prontos e bebidas a base de soja. Mudanças na distribuição de renda, como as que ocorreram com o Plano Real, podem alterar substancialmente a demanda por lácteos, principalmente se acompanhadas de campanhas de marketing. Neste sentido, é importante ressaltar os aspectos funcionais e nutricionais do leite. Outro ponto relevante é a diferenciação de produtos lácteos, por meio da rastreabilidade e aspectos relacionados à multifuncionalidade.

 

Portanto, promover o consumo doméstico de leite e escoar excedentes para o mercado mundial é certamente um caminho desejável para a expansão sustentável do setor no Brasil, com garantia de melhor remuneração ao produtor e possibilidade de maiores investimentos em toda a cadeia produtiva do leite.

 

 

Esta é a edição nº 19 do informativo eletrônico, Panorama do Leite, de 10 de Junho de 2008, uma publicação mensal de responsabilidade do Centro de Inteligência do Leite CILeite, criado em parceria entre a Embrapa Gado de Leite e a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais – Seapa. Embrapa Gado de Leite – Chefe-geral: Paulo do Carmo Martins, Chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento: Pedro Braga Arcuri, Chefe-adjunto de Comunicação e Negócios: Marne Sidney de Paula Moreira e Chefe-adjunto de Administração: Luiz Fernando Portugal Silva. Editora Geral: Rosangela Zoccal. Coordenador de Jornalismo: Rubens Neiva. Redação: equipe técnica do CILeite. Colaboração: Vanessa Maia A. de Magalhães. Projeto gráfico: Marcella Avila. Estagiárias: Milana Zamagno e Katyelen da Silva Costa.

 

 

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