Desaceleração da renda real pode inibir o consumo de lácteos


Glauco Carvalho – Economista MSc e Pesquisador da Embrapa Gado de Leite

glauco@cnpgl.embrapa.br

          

O crescimento econômico implica em melhoria de renda das famílias e aumento na demanda de alimentos, sendo fundamental para a sustentação de preços e viabilidade econômica da cadeia produtiva do leite. Portanto, analisar o comportamento da demanda é primordial para entender a sustentabilidade do setor e as oportunidades de investimentos. É importante para entender também os movimentos conjunturais de maior ou menor absorção de lácteos. Os principais direcionadores do consumo de lácteos são crescimento da população, aumento da renda e novos hábitos de consumo. Sabe-se que a população brasileira continua crescendo, porém a taxas decrescentes. Além disso, está passando por um processo de envelhecimento. No âmbito dos novos hábitos a tendência é crescer a procura por produtos benéficos a saúde, alimentos funcionais e nutracêuticos. Portanto, nessa visão, é fundamental o desenvolvimento de produtos que atendam as novas e futuras exigências dos consumidores. Nesse artigo, no entanto, iremos focar no aspecto renda.

 

O consumo de lácteos possui uma relação estreita com a renda per capita, ou seja, países de renda mais alta tendem a apresentar maior consumo per capita. O mesmo ocorre dentro do Brasil, com maior consumo nos Estados de maior renda per capita. A figura 1 ilustra essa relação para todos os Estados brasileiros, considerando a renda média e o consumo per capita domiciliar. Cabe destacar que o consumo analisado refere-se apenas ao residencial, excetuando portanto, outros usos para os lácteos. No Brasil, por exemplo, o consumo nas residências absorve 58% da produção, sendo o restante direcionado a outros fins, como insumo para outras indústrias e mais recentemente para exportação.

 

Alguns Estados possuem maior propensão ao consumo como o caso de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Pernambuco, para ficar em alguns exemplos. Isso porque possuem um consumo relativamente alto para o seu padrão de renda. Pernambuco por exemplo, possui uma renda per capita que equivale a metade da encontrada no Paraná, mas um consumo equivalente. Já outros Estados como Maranhão, Amazonas e Roraima possuem uma menor propensão ao consumo de lácteos, pois apresentam consumo relativamente baixo para o padrão de renda. Nesse sentido a propensão ao consumo pode ser estrategicamente trabalhada para que haja um incremento da absorção de leite e derivados. Em resumo, é importante monitorar o comportamento do emprego e da renda para inferir o desempenho do consumo interno.

 

 

Fonte: IBGE.
Elaboração: Glauco Carvalho.
Figura 1: Consumo domiciliar de lácteos e renda per capita, por UF.
 

A existência de programas de transferência de renda também reflete no consumo interno, devido ao efeito da redução da extrema pobreza e da melhoria da situação alimentar das famílias. O Programa Bolsa-Família é um bom exemplo de transferência de renda, que beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 60,01 a R$ 120,00) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 60,00). Mas outros programas encontram-se também em andamento e com elevada abrangência. Do total estimado de 54,7 milhões de domicílios particulares existentes no Brasil em 2006, em cerca de 10 milhões receberam algum dinheiro de programa social do governo, conforme levantamento do IBGE. Isso correspondeu a 18,3% dos domicílios particulares do País, ou seja, em cada cinco domicílios do Brasil um recebeu dinheiro de programa social em 2006.

 

Se por um lado tem-se uma transferência de renda que impulsiona o consumo de lácteos, por outro lado alguns fatores podem restringir esse desempenho. O principal deles é o aumento do custo de vida das famílias e a escalada nos preços dos alimentos. Além disso, já está em curso o movimento de elevação das taxas de juros como medida de política monetária para combate a inflação. Essa medida tem reflexo direto no encarecimento do crédito e tende a segurar a expansão da demanda. Ademais pode deteriora o ambiente de negócios e inibir os planos de investimentos do setor produtivo.

 

Nos últimos 12 meses os alimentos subiram cerca de 15%. Altos preços de alimentos é um problema para o país, sobretudo para as regiões mais pobres cujo alimento tem maior peso na cesta de consumo. No Brasil, os alimentos representam cerca de 22% dos gastos das famílias. Em Belém, esse percentual supera 30% e em Recife e Fortaleza essa participação é de 26% e 25%, respectivamente (Figura 2). Portanto elevação mais expressiva de preços da alimentação afeta significativamente o orçamento familiar, corroendo a renda e inibindo o consumo. No caso de queijos, cuja demanda está altamente relacionada a renda, esse impacto negativo sobre o consumo tende a ser maior.

 

 

Fonte: IBGE.
Elaboração: Glauco Carvalho.
Figura 2: Participação dos alimentos nos gastos das famílias, por região metropolitana (%).
 

De fato, o ritmo de expansão do rendimento real médio dos trabalhadores brasileiros está se reduzindo em conseqüência da inflação mais alta. No acumulado em 12 meses até maio de 2008, o rendimento real médio cresceu 2,2%. Em maio de 2007 essa expansão estava em 4,4%, indicando desaceleração. E isso pode ser verificado nas diferentes condições de emprego, conforme figura 3. Nos trabalhadores com carteira assinada o crescimento já é negativo ante cerca de 4% de expansão em maio do ano passado. No setor público o crescimento do rendimento real saiu de 8% em meados de 2007 para cerca de 3,3% em maio deste ano.

 

Portanto, alguns desafios estão na pauta da cadeia produtiva do leite no âmbito das frentes de absorção do produto. No que tange a exportação, a apreciação do real frente ao dólar e diversas outras moedas está prejudicando a rentabilidade. Já no caso da demanda doméstica, apesar da expansão dos programas sociais e aumento real do salário mínimo, o rendimento dos trabalhadores está sendo corroído pela inflação. Além disso, o aumento da taxa de juros tende a prejudicar o ritmo de crescimento da atividade econômica, podendo causar uma desaceleração mais forte no próximo ano. As previsões de crescimento da economia brasileira para 2009 já sinalizam isso.

 

 

Fonte: IBGE.
Elaboração: Glauco Carvalho.
Figura 3: Rendimento real médio dos trabalhadores: crescimento acumulado em 12 meses (%).
 

 

Esta é a edição nº 20 do informativo eletrônico, Panorama do Leite, de 1º de Agosto de 2008, uma publicação mensal de responsabilidade do Centro de Inteligência do Leite CILeite, criado em parceria entre a Embrapa Gado de Leite e a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais – Seapa. Embrapa Gado de Leite – Chefe-geral: Paulo do Carmo Martins, Chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento: Pedro Braga Arcuri, Chefe-adjunto de Comunicação e Negócios: Marne Sidney de Paula Moreira e Chefe-adjunto de Administração: Luiz Fernando Portugal Silva. Editora Geral: Rosangela Zoccal. Coordenador de Jornalismo: Rubens Neiva. Redação: equipe técnica do CILeite. Colaboração: Vanessa Maia A. de Magalhães. Projeto gráfico: Marcella Avila. Estagiárias: Milana Zamagno e Katyelen da Silva Costa.

 

 

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