Efluente de laticínio: infiltração no solo como processo de tratamento


Marcelo Henrique Otenio - Pesquisador da Embrapa Gado de Leite

Luciana Cadioli Panchoni
 

 

1. INTRODUÇÃO
Ao longo das últimas décadas, o grande e acelerado desenvolvimento da tecnologia provocou uma verdadeira revolução na forma de produzir e de consumir as mercadorias. Como resultado ocorre uma maior emissão de poluentes e geração de resíduos.


Quando se considera o uso do solo como depurador de resíduos, pode-se ter como objetivo unicamente a degradação biológica do conteúdo orgânico, ou pode-se visar o uso do resíduo como fonte de matéria orgânica e nutrientes para as culturas; porém, em qualquer dos casos citados, o conhecimento da composição do resíduo é de importância fundamental, uma vez que a presença de diversos íons em níveis não adequados pode causar danos, em certos casos irreversíveis, ao solo onde o resíduo foi ou será descartado.


Alterações na composição e estrutura do solo podem ser refletidas nas características físicas e químicas da água, tanto superficial como subterrânea; por exemplo, o aumento da infiltração pode favorecer a alteração das características das águas subterrâneas, enquanto o escoamento superficial e processos erosivos de alta intensidade podem levar à alterações nas águas superficiais, com especial atenção ao problema da eutrofização.


Águas residuárias do processamento de produtos animais, tal como as geradas em laticínios, matadouros e curtumes, são muito poluidoras, podendo conter gordura, sólidos orgânicos e inorgânicos, além de substâncias químicas que podem ser adicionadas durante as operações de processamento.


A disposição de efluentes no solo pode constituir uma solução integrada de tratamento e fertirrigação, onde se busca reaproveitar os nutrientes presentes nas águas residuárias para promover a fertilização de solos empobrecidos e auxiliar no cultivo de espécies vegetais.


Tendo em vista o impacto ambiental que o descarte do resíduo resultante do processamento industrial do leite pode provocar, é importante que se avaliem sistemas implantados de lançamento no solo, para que se possa orientar a destinação ambientalmente correta.

2. METODOLOGIA
2.1 Local de estudo
O trabalho foi realizado em um laticínio localizado na zona rural do município de Bandeirantes, no Norte Pioneiro do Paraná, esta planta processa diariamente cerca de 3.000L de leite como matéria-prima, tendo como produtos principais leite pasteurizado e iogurte, gerando a cada 24h uma média de 9.000L de efluente líquido. Este efluente passa por uma caixa de gordura com seis compartimentos de separação, medindo 0,8m de largura/ 2m de profundidade/ 6m de comprimento; a gordura é removida periodicamente e o resíduo destinado ao aterro sanitário do município.


O efluente resultante é descartado em uma área de pastagem com predominância de gramínea Brachiara decumbens.

2.2 Coletores de água infiltrada
Os coletores de água infiltrada foram feitos com tubos de PVC (Figura 1), e foram instalados no decorrer de 24m no sentido da declividade do terreno.

 


Figura 1. Coletor do efluente de laticínio infiltrado no solo


 

3. AVALIAÇÃO

A Tabela 1 apresenta os resultados médios das análises físicas, químicas e bioquímicas realizadas.

 

 Tabela 1. Resultado médio das análises físico-químicas e bioquímicas

Análises / Pontos

Ponto Zero

Ponto 1

Ponto 2

Ponto 3

Condutividade (µS)

272,6

1.170,5

965

-

pH

6,4

7,0

7,2

-

Cor (uH)

1.738

22.115

6.033,3

 

Turbidez (uT)

1.136,25

2.319

833

-

Alcalinidade (mg de CaCO3/L)

139,5

289,5

231,3

-

Dureza (mg de CaCO3/L)

367

167

98

-

DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio) mg/L

580,6

300,5

366,33

-

DQO (Demanda Química de Oxigênio) mg/L

8.815

975

1.171,3

-

Nitrogênio Total mg/L

105

105

100

-

Fósforo Total mg/L

2,7

0,975

0,44

-

O ponto 3 não apresentou água no tubo coletor em nenhuma das coletas realizadas; isso mostra que a água já havia infiltrado completamente no solo antes de chegar a este ponto, localizado a 24m de onde o efluente é lançado.

As concentrações de fósforo total no ponto 2 foram relativamente menores que os valores encontrados no efluente (ponto zero), indicando sua retenção no solo e, ou absorção pelas plantas. Para dosagem de nitrogênio os valores ficaram praticamente inalterados.

 

A retenção de fósforo é um fator bastante considerável quando se pensa neste composto como um elemento eutrofizante de corpos d’água e isso valoriza a disposição de efluentes no solo.

A DBO e a DQO sofreram uma diminuição de 51,7% e 13,3% respectivamente até o ponto 2, que é o ponto de lançamento do efluente, a 16 metros do ponto zero.

 

O perfil de dureza no decorrer dos pontos de coleta pode indicar uma retenção de cátions Ca++ (cálcio) e Mg++ (magnésio) no solo, o que pode ajudar com a elevação do pH e da alcalinidade. 

 

As variáveis físicas cor e turbidez parecem ter sofrido grande influencia da dissolução de solo, ocorrência comum no processo de lixiviação. Porém a turbidez no ponto 2 decai em 73,3% em relação ao ponto zero, o que possivelmente ocorre porque a esta distância os processos de filtragem do solo ainda estão íntegros.

 

4. CONCLUSÃO

Este estudo indica o potencial da disposição no solo como método de depuração de efluentes de laticínios e a fertirrigação de pastagens. Entretanto, tais indícios devem ser confirmados por estudos de mais longo prazo e mais detalhados de forma a melhor discutir as interações que ocorrem no sistema solo-água-planta.


 

 

Esta é a edição nº 25 do informativo eletrônico, Panorama do Leite, de 19 de dezembro de 2008, uma publicação mensal de responsabilidade do Centro de Inteligência do Leite CILeite, criado em parceria entre a Embrapa Gado de Leite e a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais – Seapa. Embrapa Gado de Leite – Chefe-geral: Duarte Vilela, Chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento: Rui da Silva Verneque, Chefe-adjunto de Comunicação e Negócios: Carlos Eugênio Martins e Chefe-adjunto de Administração: Antônio Vander Pereira. Editora Geral: Rosangela Zoccal. Coordenador de Jornalismo: Rubens Neiva. Redação: equipe técnica do CILeite. Colaboração: Vanessa Maia A. de Magalhães e Leonardo Gravina. Projeto gráfico: Marcella Avila. Estagiárias: Milana Zamagno e Rafael Junqueira.

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