Produção Consorciada de alimentos e energia pela agricultura familiar: Cultivo de oleaginosas perenes.

Marcelo Müller - Engenheiro Florestal, Pesquisador da Embrapa Gado de Leite muller@cnpgl.embrapa.br

          

Recentemente, o mundo vem experimentando um processo de inflação no preço dos alimentos, o que tem suscitado grandes debates entorno da polêmica sobre a produção de biocombustíveis. De acordo com o último relatório da FAO nos três primeiros meses de 2008 os preços internacionais nominais (sem descontar a inflação) de todas as principais commodities alimentícias atingiram seus mais altos níveis em cerca de 50 anos. O documento ainda ressalta que, o índice de preços de 55 commodities alimentícias, subiu 8% entre 2006 e 2005. Em 2007, a alta foi de 24% e, nos três primeiros meses deste ano, comparados ao primeiro trimestre de 2007, os preços dispararam 53%.

 

Nesta discussão, diversos especialistas e autoridades no assunto ressaltam que dentre os motivos que fomentam esta alta de preços estão o contínuo aumento da demanda por alimentos, impulsionado pelo expressivo crescimento economias emergentes, tais como China, Índia e América Latina, alterações climáticas, que têm provocado quebra de safras em importantes países produtores destas commodities, elevação da cotação do petróleo, que recentemente chegou à casa de U$ 130,00/barril, encarecendo a produção agrícola e a mercantilização dos alimentos que tornou produtos como a soja, o milho e o trigo ativos negociados nas bolsas de mercadorias e atrativos para o capital financeiro.

 

Os subsídios agrícolas mantidos pelos Estados Unidos e União Européia são outro fator, apontado por especialistas, como desencadeadores da crise alimentar, na medida em que dificultam o acesso de produtores de países pobres ao mercado internacional devido a competição desigual com produtores europeus e norte-americanos.

 

No caso específico do Brasil, o Programa Nacional de Biodiesel, elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) estabeleceu regras de incentivo à agricultura familiar e a exigência de que produtores de oleaginosas mantenham áreas de cultivo de alimentos, corroborando assim para evitar a uma possível competição entre a produção de energia limpa e a de alimentos.

 

Atualmente, a soja é a principal matéria-prima utilizada para a produção de biodiesel no Brasil, respondendo por 85% da demanda. Isto se deve à grande extensão de áreas plantadas com soja e ao domínio da tecnologia de produção que já está bem consolidado. Entretanto, o principal produto da soja é o farelo utilizado na indústria de rações, o qual representa 82% do grão. O óleo de soja é um subproduto, e tradicionalmente é utilizado na alimentação humana. Sendo assim, embora a soja ainda apresente o maior potencial para atender a demanda para produção de biodiesel, vale ressaltar que a matriz energética deste combustível deve respeitar a aptidão agrícola e as necessidades de desenvolvimento de cada região. Dessa forma, fica visível que não é estratégico pautar a produção somente na soja. Entre os vários fatores que justificam o alerta anterior pode-se destacar: i) a soja não é uma cultura adequada para produção em regime de agricultura familiar e a concentração excessiva da produção de biodiesel nesta leguminosa inviabilizaria toda a vertente social que motivou o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel e; ii) é preciso identificar as espécies oleaginosas mais favoráveis à produção de biodiesel em cada região brasileira, afim de que o programa possa contribuir para reduzir disparidades econômicas históricas e, simultaneamente, assegurar que pelo menos 35% da matéria-prima do biodiesel nacional tenha origem na agricultura familiar.

 

Outras culturas que têm sido utilizadas na produção de biodiesel são o girassol, o dendê, a mamona e o algodão. No entanto, é importante lembrar que, assim como a soja, estas espécies tradicionalmente são utilizadas para o suprimento de outras demandas.

 

Como espécies potenciais destaca-se o pinhão-manso, a macaúba, o babaçu, o abacate, a canola, o amendoim e o milho, dentre outras. Entretanto, a sua utilização como matéria-prima para a produção de biodiesel carece de estudos sobre sistemas de produção, manejo, colheita e beneficiamento, além de zoneamentos agroecológicos para cada região.

 

A par disso, é importante ressaltar que a agricultura familiar, já representa cerca de 15% da produção de grãos e sementes para a indústria de biodiesel no País. Além disso, esta produção encontra-se bastante diversificada, tendo como principal fonte a mamona, com 105 milhões de litros (48% do segmento). A soja vem em segundo, com 64 milhões de litros de biodiesel puro, o B100, ou 30% do segmento, seguida do girassol, com 29 milhões (13,5%), dendê, com 15,5 milhões (7,2%). Em menor escala aparecem o gergelim, com 1,6 milhão de litros (0,8%) e o amendoim, 502 mil litros (0,2%), perfazendo um total de 215,3 milhões de litros de B100.

 

Neste contexto, considerando as premissas do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, a prática da integração de culturas energéticas e alimentares em uma mesma área reveste-se de notável importância, uma vez que proporciona o acesso do pequeno produtor ao mercado de biodiesel e sua integração à cadeia produtiva desse combustível sem que este, necessariamente, se desvincule de suas atividades tradicionais.

 

Dentre as espécies consideradas promissoras para a produção de biodiesel, o pinhão manso tem se destacado e atraído a atenção de produtores, empresários, técnicos e pesquisadores, por ser uma espécie com grande potencial de produção de óleo, ser perene, permitir o consórcio com outros cultivos e não ser utilizada para o consumo humano e animal, não concorrendo, dessa forma, com a produção de alimentos.

 

O gênero Jatropha possui cerca de 180 espécies e estima-se que é originário da América do Sul. O pinhão manso (Jatropha curcas L.) é um arbusto que atinge normalmente de 3 a 5 metros de altura, pertence à família Euphorbiaceae. Pode atingir de 2 a 3 toneladas de sementes por hectare em condições semi-áridas, com potencial para chegar a 8.000 kg/ha.

 

Tradicionalmente, esta espécie é cultivada como fonte de matéria-prima para a produção de fármacos, combustível para lamparinas e sabões. É uma planta tóxica tanto para humanos  quanto  para  animais,  motivo

 

pelo qual não é ramoneada pelo gado. Devido a isto, historicamente o pinhão manso tem sido cultivado como cerca viva em diversos países da África e no Brasil.

 

O pinhão manso tem sido introduzido em várias regiões do Brasil, principalmente em Minas Gerais, como espécie promissora para produção de óleo vegetal visando a produção de biodiesel em diversos sistemas de plantio.

   
Fonte: Luciano Piovesan Leme – Refinaria Nacional de Pertróleo Vegetal - Fusermann
Figura 1: Consórcio de pinhão manso com pastagens na região da Zona da Mata Mineira
 

Os espaçamentos mais utilizados são 3x3 m ou 3x2 m em áreas com baixa fertilidade, para plantio solteiro. Para as condições da região norte e vale do Jequitinhonha recomenda-se espaçamentos de 4x3 m entre plantas, onde os solos são mais pobres. Na mesma região, além deste espaçamento, tem sido utilizado também o espaçamento de 8x2 metros. Para a região da Zona da Mata sugere-se espaçamentos de 4x2 m para consórcio com culturas anuais, 3x3 e 3x2 m para plantios solteiros e 6x1,5 ou 6x2x2 m para plantios consorciados com pastagem.

 
Fonte: Adãonete Aquino COVAL - Cooperativa Agropecuária Vale da Alimentação
Figura 2: Consórcio de pinhão manso com gado em Santa Vitória, região do Triângulo Mineiro.

 

O consórcio de pinhão manso com a atividade pecuária ainda é bastante incipiente, mas já existem algumas iniciativas de produtores de Minas Gerais, com o consórcio com gado leiteiro e de corte, e São Paulo, com o consórcio com ovelhas (Figuras).

 

Fonte: Carlos de Arruda Camargo, PROVALE
Figura 3: Consórcio de pinhão manso com ovelhas, Redenção da Serra - São Paulo.

 

O fato de as folhas do pinhão manso não serem ramoneadas pelo gado, dispensa a proteção adicional das mudas quando introduzidas em sistemas de produção que integram a exploração animal, qualificando essa espécie para inclusão em sistemas silvipastoris.


Fonte: Marcelo Dias Müller - Embrapa Gado de Leite
Figura 3: Consórcio de pinhão manso com milho e braquiária - Conceição da Barra de Minas

 

Além dos arranjos de plantio, outro fator importante que deve ser considerado é a poda. Esta prática visa manter a planta com porte baixo favorecendo a colheita dos frutos, bem como aumentar o número de ramos, afim de se aumentar a produção de frutos. Entretanto, o manejo da poda ainda carece de mais informações científicas. Em sistemas consorciados com outras culturas e/ou pastagens, a poda pode representar também um importante diferencial na produtividade da cultura consorciada, na medida em que é alterada a interceptação de radiação fotossinteticamente ativa que chega ao sub-bosque do plantio.

 

A factível possibilidade de consorciação do pinhão manso, para obtenção de biodiesel, com pastagens, para exploração da pecuária leiteira, abre uma nova e promissora oportunidade de desenvolvimento tecnológico direcionado para a agricultura brasileira, em especial a agricultura familiar. O desenvolvimento de tal tecnologia irá atender aos anseios não apenas dos produtores rurais, ávidos por receitas extras em seus empreendimentos e pela sustentabilidade dos sistemas de produção animal, mas de toda a sociedade, temerosa da ocupação das áreas destinadas à produção de alimentos pelas “culturas energéticas”. Adicionalmente, essa nova frente produtiva proporcionará a criação de novos empregos no meio rural, contribuindo para a fixação do homem no campo, com grande impacto social, e, simultaneamente, irá contribuir para a redução da importação de óleo diesel pelo país, com grande repercussão econômica.

 

Particularmente na região da Zona da Mata de Minas Gerais, onde a principal atividade rural é a pecuária, o plantio de pinhão manso vem crescendo em função da criação de um mercado para óleos vegetais, pela instalação de uma fábrica de biodiesel na região. A fábrica, instalada no município de Barbacena, tem capacidade de estocagem de 9.000 mil toneladas de grãos e capacidade de esmagamento de 260 toneladas por dia. Esta capacidade está sendo ampliada para 500 toneladas dia até o final de 2008. Para o fornecimento de matéria-prima, a empresa criou o Programa Plantando Combustível, o qual tem por objetivo reunir centenas de agricultores da região, por meio do apoio de prefeituras, associações e cooperativas agrícolas, sindicatos de trabalhadores rurais, empresas públicas e privadas de pesquisa e assistência técnica. Como forma de viabilizar este programa foi criado o Projeto Jatropha, cujo objetivo é fomentar o plantio de pinhão manso, oferecendo ao agricultor a garantia de compra de todos os produtos fomentados, acesso ás novas tecnologias e utilização de áreas não exploradas com outras culturas nas propriedades. Assim, vários produtores têm adotado a prática do consórcio de pinhão com pastagens a fim de diversificar a renda nas propriedades.

 

Neste contexto, é importante ressaltar que a indicação de espaçamentos e arranjos de plantio em sistemas consorciados ainda carece de informação científica, principalmente no que diz respeito ao efeito dos arranjos, bem como do manejo (tratos culturais, podas, etc.), na produtividade da cultura consorciada (neste caso a pastagem) ao longo do tempo.

 

Embora essa euforbiácea seja uma espécie ainda não completamente domesticada, carecendo de estudos agronômicos complementares, já existe um “pacote” mínimo de técnicas agrícolas desenvolvidas e validadas para nortear o cultivo tecnificado de pinhão-manso, proposto por DIAS et al. (2007). Neste estudo, os autores abordam aspectos da implantação, condução, manejo, nutrição, principais pragas e doenças, colheita e pós-colheita, beneficiamento e comercialização de pinhão manso.

 

Além disso, existe um projeto aprovado pela FAPEMIG intitulado “Melhoramento e sistema de produção de pinhão manso: viabilização do cultivo para biodiesel em Minas Gerais”, liderado pela Universidade Federal de Viçosa, cujo objetivo principal é exatamente estudar os aspectos agronômicos tais como, espaçamentos, pragas, doenças, adubação, etc. Neste caso, vale ressaltar que a Embrapa Gado de Leite participa como parceira neste projeto, na parte de prospecção de sistemas consorciados.

 

Esta é a edição nº 20 do informativo eletrônico, Panorama do Leite, de 1º de Agosto de 2008, uma publicação mensal de responsabilidade do Centro de Inteligência do Leite CILeite, criado em parceria entre a Embrapa Gado de Leite e a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais – Seapa. Embrapa Gado de Leite – Chefe-geral: Paulo do Carmo Martins, Chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento: Pedro Braga Arcuri, Chefe-adjunto de Comunicação e Negócios: Marne Sidney de Paula Moreira e Chefe-adjunto de Administração: Luiz Fernando Portugal Silva. Editora Geral: Rosangela Zoccal. Coordenador de Jornalismo: Rubens Neiva. Redação: equipe técnica do CILeite. Colaboração: Vanessa Maia A. de Magalhães. Projeto gráfico: Marcella Avila. Estagiárias: Milana Zamagno e Katyelen da Silva Costa.

 

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