Alteração da frequência de ordenha: aspectos produtivos e econômicos

Marco Antônio Sundfeld da Gama - Pesquisador da Embrapa Gado de Leite - gama@cnpgl.embrapa.br
Fernando César Ferraz Lopez - Pesquisador da Embrapa Gado de Leite - fernando@cnpgl.embrapa.br


A produção de leite por vaca nos rebanhos leiteiros do Brasil e do mundo tem aumentado significativamente nas últimas décadas em função de diversos fatores, tais como: melhoramento genético, nutrição adequada, boas práticas de manejo e controle de doenças. Dentre as práticas de manejo utilizadas para aumentar a produção de leite do rebanho, podemos citar o aumento da freqüência de ordenhas.

A opção por aumentar o número de ordenhas em uma propriedade não é tarefa fácil e está condicionada a diversos fatores, tanto econômicos quanto de manejo do rebanho. Dentre os fatores econômicos, o preço do leite pago ao produtor é certamente uma condição determinante no processo de decisão. Preços mais elevados, como os observados nos últimos meses no Brasil (acima de R$ 0,70/litro em estados como Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Goiás), aumentam a probabilidade de retorno econômico da atividade leiteira. A magnitude do retorno econômico, por sua vez, está diretamente relacionada com o aumento de produção de leite observado em resposta ao maior número de ordenhas, que depende da qualidade do manejo adotado na fazenda. Assim como para outras tecnologias (ex.: uso de somatotropina bovina - bST), a magnitude da resposta produtiva ao aumento da freqüência de ordenhas depende de condições adequadas de nutrição, sanidade e conforto animal. Em outras palavras, embora a produção de leite seja positivamente correlacionada à freqüência de ordenhas, a resposta produtiva não é uniforme e está condicionada à qualidade do manejo adotado na fazenda.

O retorno econômico advindo da maior produção de leite é certamente importante, mas não é o único fator determinante na decisão de se aumentar ou não o número de ordenhas. O produtor deve considerar ainda os custos adicionais envolvidos no processo (necessidade de mão-de-obra extra ou aumento da jornada de trabalho, material de consumo utilizado na ordenha, energia elétrica, manutenção dos equipamentos, etc.), bem como possíveis efeitos desta prática sobre a reprodução, composição e qualidade do leite, incidência de mastite, etc.

Resposta produtiva ao aumento do número de ordenhas

1. Uma versus Duas Ordenhas Diárias

Há poucos estudos comparando o efeito produtivo resultante do aumento de uma para duas ordenhas diárias, embora a prática de se ordenhar os animais somente uma vez ao dia ainda seja adotada em muitas pequenas propriedades no Brasil, onde geralmente se emprega mão-de-obra familiar e se cria gado mestiço de menor potencial produtivo. Estudo recente conduzido no Brasil com vacas Holandês x Zebu alimentadas com pasto no verão e silagem de milho e/ou cana adicionada de uréia no inverno mostrou que a prática de duas ordenhas diárias, em vez de uma, aumentou em 700 kg (+ 2,7 kg/dia) a produção de leite dos animais durante toda a lactação (Tabela 1).

Como alternativa, a utilização de uma e duas ordenhas diárias, de forma alternada a cada 14 dias, aumentou em 522 kg de leite (+ 2,3 kg/dia) a produção de leite em relação ao grupo submetido a apenas uma ordenha diária. Neste estudo, um teto era reservado para o bezerro mamar após a ordenha durante os primeiros três meses de lactação, enquanto que no período restante todos os tetos foram ordenhados, de maneira que os bezerros tinham acesso somente ao leite residual.

O emprego de uma única ordenha diária, geralmente no final da lactação, é uma prática de manejo adotada em alguns rebanhos criados em sistemas extensivos, como na Nova Zelândia. Essa prática visa, entre outras coisas, restabelecer a condição corporal das vacas em final de lactação, reduzir o estresse metabólico associado com alta produção de leite no início da lactação em períodos de escassez de forragem e aumentar a disponibilidade da mão-de-obra na propriedade. Outra alternativa para reduzir o tempo de mão-de-obra gasto na ordenha é “saltar” ou eliminar uma ordenha por semana. Essa prática tem se mostrado capaz de manter a produção de leite quando realizada em animais em final de lactação, comparado com duas ordenhas diárias sem interrupção.

Embora a redução estratégica da freqüência de ordenhas em determinados períodos da lactação possa ter sua utilidade sob certas circunstâncias, essa prática resulta, inevitavelmente, em perda de produção de leite. Essa perda varia amplamente em função do período da lactação, produção de leite, e duração do estudo (Tabela 2).

A capacidade de reduzir a magnitude desta perda poderia levar a uma maior adoção dessa prática, o que poderia ser obtido pelo desenvolvimento de métodos capazes de identificar animais tolerantes a maiores intervalos de ordenha. Certas características anatômicas da glândula mamária, como o tamanho da cisterna, parecem ser importantes neste sentido.

Duas versus Três Ordenhas Diárias

A maior parte dos estudos encontrados na literatura tem avaliado o aumento da produção de leite quando são comparadas duas com três ordenhas diárias. Os resultados observados indicam que as respostas ao aumento da freqüência de ordenha de duas para três vezes/dia são geralmente fixas e da ordem de 3,5 litros de leite/vaca/dia, independentemente da ordem de lactação (número de partos). A resposta varia bastante em termos percentuais, mas em geral situa-se entre 15 e 25%.

Aumentos da freqüência de ordenha acima de três vezes ao dia também resultam em acréscimo da produção de leite, mas a magnitude da resposta decresce à medida que a freqüência aumenta (aumentos decrescentes). Por exemplo, aumentos de 8 a 12% são geralmente observados quando se passa de três para quatro ordenhas diárias.

Há ainda uma alternativa de manejo que consiste em aumentar a freqüência de ordenha somente nas primeiras três ou seis semanas de lactação, voltando à rotina normal após este período. A justificativa para esta prática baseia-se na observação de que o aumento da produção de leite persiste durante o restante da lactação, mesmo após o retorno ao menor número de ordenhas. Esta resposta tem sido observada quando se aumenta de duas para quatro ou de três para seis ordenhas diárias, tanto em rebanhos da raça Holandesa quanto Jersey. Nestes casos, o manejo pode ser feito apartando os animais em início de lactação, de forma que sejam os primeiros a entrar na sala de ordenha, retornando à mesma no final.

Vantagens e desvantagens

O aumento da produção de leite é certamente a mais consistente e importante resposta ao aumento da freqüência de ordenha, mas outros efeitos devem ser avaliados antes de se tomar a decisão por adotar ou não esta prática.

Um dos efeitos negativos supostamente associados ao aumento do número de ordenhas seria uma queda no desempenho reprodutivo dos animais. Isto pode se dar pelo fato do incremento da produção de leite em resposta ao aumento do número de ordenhas nem sempre ser acompanhado por proporcional elevação no consumo de alimentos. Isto resultaria em balanço energético negativo mais severo e mais prolongado que, por sua vez, poderia resultar em atraso no retorno ao cio (sinais) e maior intervalo entre o parto e a primeira ovulação (determinada pela concentração de progesterona no sangue). De fato, isto foi observado em alguns estudos com animais ordenhados seis ou quatro vezes/dia durante as primeiras seis semanas de lactação, em comparação com três ou duas ordenhas diárias, respectivamente. Entretanto, o aumento de duas para três ordenhas diárias, durante toda a lactação, em estudo envolvendo 14 rebanhos e mais de 5.000 vacas com produção média de 25 kg de leite/dia, mostrou que os efeitos negativos sobre a reprodução tendem a ser mais intensos em vacas de primeira e segunda lactação.

A falta de um ajuste no consumo de alimentos para compensar a maior produção de leite pode levar ainda à menor recuperação da condição corporal ao longo da lactação, como observado em animais de 1ª e 2ª lactação no estudo abaixo (Figura 1).

Isto torna fundamental a formulação de uma dieta bem balanceada que atenda às exigências dos animais e que os permita alcançar o consumo necessário para a recuperação das reservas corporais ao longo da lactação. O fornecimento de dietas completas, com volumosos de qualidade, várias vezes ao dia, é uma prática de manejo nutricional que ajudaria a maximizar o consumo de alimentos, reduzindo os problemas citados acima. Vale ressaltar que vacas ordenhadas com mais freqüência têm menos tempo para se alimentar; isto aumenta ainda mais a importância um bom manejo alimentar.

Outro aspecto importante a ser avaliado é o impacto do número de ordenhas sobre a composição e a contagem de células somáticas (CCS) do leite, especialmente nos dias de hoje, em que se pratica pagamento por qualidade. Em outras palavras, a maior receita oriunda do aumento da produção de leite pode ser reduzida ou mesmo anulada em função da diminuição dos teores de gordura e proteína do leite ou do aumento da sua CCS. A maior parte dos resultados da literatura indica que a concentração dos componentes e a CCS do leite são inalterados ou mesmo reduzidos com o aumento da freqüência de ordenha; tendência semelhante é observada com relação à incidência de mastite clínica.

Conclusões

O aumento da freqüência de ordenha promove aumento da produção de leite, independentemente do nível de produção dos animais, mas a magnitude da resposta pode variar em função da qualidade do manejo adotado na propriedade.

Animais ordenhados com maior freqüência somente nas primeiras semanas de lactação continuam produzindo mais leite, mesmo após o retorno à freqüência normal.

A prática de “saltar” uma ordenha semanal, durante a fase final da lactação, parece não comprometer a produção de leite de animais ordenhados duas vezes ao dia.

A eficiência reprodutiva tende a ser reduzida, em vacas de 1ª e 2ª lactações, quando se aumenta a freqüência de ordenha de duas para três vezes ao dia.

A saúde da glândula mamária tende a melhorar com o maior número de ordenhas, desde que as condições de manejo de ordenha sejam adequadas.

Menor recuperação da condição corporal dos animais ao longo da lactação e menor concentração de gordura e proteína no leite podem ocorrer com o aumento da freqüência de ordenha, tornando essencial um ótimo manejo nutricional para minimizar estes efeitos.

O benefício financeiro de se aumentar a freqüência de ordenha vai depender de todos os fatores relacionados acima, do preço do leite e dos custos adicionais com mão-de-obra (hora extra ou funcionário extra), material de ordenha, energia elétrica e outros.

 

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Site http://www.milkpoint.com.br

Stelwagen, K. Effect of milking frequency on mammary functioning and shape of the lactation curve. J. Dairy Sci., v.84 (E. Suppl.): E204-E211, 2001.

 

Obs.: Este texto foi originalmente publicado na DBO Mundo do Leite (fev-mar/2008, p.17-19).

 

Esta é a edição nº 34 do informativo eletrônico, Panorama do Leite, de 22 de setembro de 2009, uma publicação mensal de responsabilidade do Centro de Inteligência do Leite CILeite, criado em parceria entre a Embrapa Gado de Leite e a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais – Seapa. Embrapa Gado de Leite – Chefe-geral: Duarte Vilela, Chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento: Rui da Silva Verneque, Chefe-adjunto de Comunicação e Negócios: Elizabeth Nogueira Fernandes e Chefe-adjunto de Administração: Antônio Vander Pereira. Editores: Rosangela Zoccal e Glauco Carvalho. Coordenador de Jornalismo: Rubens Neiva. Redação: equipe técnica do CILeite. Colaboração: Pedro Gomide e Leonardo Gravina. Projeto gráfico: Marcella Avila.

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