O que esperar do cenário de milho e soja?


Cesar de Castro Alves – Analista da MB Agro Consultoria

 

          

O ano de 2008 tem sido particularmente desafiador no que diz respeito ao planejamento dos negócios relacionados aos grãos, dado o alto grau de volatilidade dos preços. Para os segmentos demandantes de milho e soja, caso da indústria processadora de alimentos e das criações de animais, todo o cuidado na gestão dos custos tem sido necessário, dado que, num cenário de baixos estoques globais dessas matérias-primas e sólida demanda, quaisquer eventos que sinalizem risco de alteração das previsões de safra ou do fluxo de exportações implicam em oscilações substanciais nas cotações, como por exemplo, a recente instabilidade dos embarques argentinos diante do aumento dos impostos de exportação daquele País, como parte da política local de controle dos preços domésticos. O objetivo deste texto é fundamentar o cenário atual do milho e da soja, tradicionalmente os principais insumos das criações intensivas de animais, sinalizando ao menos a direção dos preços dessas matérias-primas.

 

Estimativas iniciais referentes à safra 2008/09 apontam para aumento de 8% na produção mundial de soja, que somará 237,8 milhões de toneladas, para um consumo de 237,9, crescendo 2% sobre 2007/08. Por ora, nota-se que não haverá alteração no nível de estoques finais de soja ao final deste ano-safra que se inicia, ficando ao redor de 49 milhões de toneladas. Para o milho, a situação é ainda mais delicada, pois enquanto o consumo global deverá crescer 3%, atingindo 794,6 milhões de toneladas, a produção estimada mostra recuo de 2%, perfazendo 775,3 milhões de toneladas, o que levará o estoque final a um recuo de 16%. Posto isso, nota-se claramente que a situação de aperto das reservas mundiais desses grãos, que se agravou bastante em 2007/08 adicionando combustível à escalada das cotações, não deverá se alterar em 2008/09. É claro que este quadro é preliminar e sofrerá correções, porém parece razoável que esses ajustes se dêem mais na oferta (com viés de baixa, em função principalmente das incertezas climáticas) do que na demanda. Os fatores de sustentação do consumo são: (i) a tendência de migração das dietas baseadas em cereais para proteínas animais nos países emergentes mantendo elevada a procura por grãos para rações, (ii) os crescimentos naturais da população, que deverão se manter em normalidade, (iii) a postura norte-americana de manter de pé sua política energética, rebatendo críticas à grande destinação do milho norte-americano para produção de etanol, cerca de 30% da safra total do cereal e, (iv) o alto patamar de preço do barril de petróleo juntamente da dúvida de até onde ele pode chegar, o que acaba por incentivar a bioenergia nos EUA bem como sugere aumento das posições compradas nos mercados de milho e soja.

 

Tabela 1. Oferta e demanda de soja (em 1000 toneladas)

 
  2006/07 2007/08(E) 2008/09(P) var.% 08_09/07_08
Estoque inicial 53,4 62,5 48,8 -22%
Produção 236,6 218,8 237,8 9%
EUA 86,8 70,4 81,6 16%
Brasil 59,0 61,0 64,0 5%
Argentina 48,8 47,0 48,0 2%
China 15,2 13,5 16,0 19%
Outros 26,8 26,9 28,2 4%
Consumo 225,3 232,2 237,9 2%
Estoque Final 62,5 48,8 48,9 0%
Rel. Estoque/Uso (%) 27,7% 21,0% 20,5%  
 

Fonte: USDA.
Elaboração: MB Agro (jul/08)

 

 

Tabela 2. Oferta e demanda de milho (em 1000 toneladas)

 
  2006/07 2007/08(E) 2008/09(P) var.% 08_09/07_08
Estoque inicial 125,1 109,9 124,6 13%
Produção 713,1 788,8 775,3 -2%
EUA 267,6 332,1 297,6 -10%
China 151,6 151,8 153,0 1%
UE-27 54,7 48,4 57,5 19%
Brasil 51,0 57,5 57,0 -1%
Argentina 22,5 21,0 23,5 12%
Outros 165,7 178,0 186,8 5%
Consumo 728,4 774,0 794,6 3%
Estoque Final 109,9 124,6 105,3 -16%
Rel. Estoque/Uso (%) 15,1% 16,1% 13,3%  
 

Fonte: USDA.
Elaboração: MB Agro (jul/08)

 

Não se sabe até que ponto a inflação dos alimentos, que atingiu em cheio o mundo todo, principalmente nos últimos 12 meses, irá moderar o consumo de alimentos. Em alguma medida, deverá haver certa acomodação no consumo, pois existe restrição financeira para compra de alimentos entre as famílias de mais baixa renda. Este é um dilema complexo uma vez que os preços dos alimentos não deverão voltar aos níveis médios dos últimos anos, devido fundamentalmente à nova estrutura de custos da produção agrícola, com clara mudança de patamar do custo dos principais insumos, como os fertilizantes e os defensivos (químicos), cujos reajustes, estão relacionados ao petróleo e à incapacidade da extração/produção das matérias-primas em todo mundo em acompanhar a demanda, pelo menos na mesma velocidade.

 

Nos Estados Unidos, a safra 2008/09 começou de maneira bastante conturbada, com fortes tempestades atingindo o cinturão de produção de grãos logo após o plantio. Ainda não foram totalmente quantificados os estragos decorrentes desses temporais, nem tampouco passou a tormenta do risco climático, pelo contrário, a partir de agosto se iniciará o período mais importante para o desenvolvimento da safra norte-americana, o que deverá manter a condição climática sob atenção e elevada volatilidade nas cotações.

 

Os números preliminares da produção norte-americana de soja da safra 2008/09 apontam para 81,7 milhões de toneladas, aumento de 16% sobre 2007/08. Já a produção brasileira da oleaginosa, que começará a ser plantada somente em outubro, deverá crescer 5%, para 64 milhões de toneladas, segundo cálculos do USDA. No caso do milho, esperam-se quedas de 10% na produção norte-americana em 2008/09, para 298 milhões de toneladas, e de 1% no Brasil, para 57 milhões de toneladas.

 

No curto prazo, olhando para o segundo semestre, a oferta de milho no mercado interno será basicamente o estoque remanescente da safra de verão 2007/08 (que ainda é grande pois muitos produtores ainda não comercializaram suas produções) mais a safrinha deste mesmo ano-safra, cuja colheita deverá se intensificar em agosto já que foi plantada mais tarde. Apesar de a geada ocorrida recentemente sobre a safrinha de milho no Paraná ter implicado em perdas, o volume total produzido na safra 2007/08 – 58 milhões de toneladas pelo USDA ou 55 milhões de toneladas pela Conab – ainda será recorde. Tendo um consumo interno de cerca de 44 milhões de toneladas, o país teria para exportar pelo menos 12 milhões de toneladas, considerando ainda 2 milhões de toneladas de estoques finais em 2008/09. Os embarques brasileiros de milho no primeiro semestre somaram menos de 3 milhões de toneladas, ou 8% abaixo do mesmo período do ano passado, o que sinaliza possibilidade de excedente interno de milho no final do ano caso as exportações daqui pra frente não cresçam em um ritmo consideravelmente maior. Ocorre que, tanto a geada no Paraná quanto as inundações no meio-oeste americano aumentaram ainda mais o diferencial dos preços domésticos em relação à paridade de exportação. O real cada vez mais valorizado, recentemente testando níveis abaixo de R$ 1,60, vem tirando a competitividade da exportação brasileira de milho num momento em que a Argentina deve voltar a exportar, com o peso desvalorizado em relação ao dólar tendo, portanto, boa competitividade para exportação.

 

Diante disso, os eventos chave para as cotações do milho no segundo semestre residem no andamento da safra norte-americana 2008/09 (que ainda é uma incógnita) e na viabilidade de escoar via exportações a safrinha de milho 2007/08, que será colhida até meados de setembro. Caso o dólar continue em trajetória de desvalorização ante ao real ou haja menor interesse externo pelo produto brasileiro a ponto de o país registrar queda nas exportações, em relação as 11 milhões de toneladas embarcadas em 2007, o excedente interno fatalmente será um alívio para os compradores neste segundo semestre, que poderão assistir o recuo do preço interno na esteira da desaceleração das exportações.

 

Embora do ponto de vista da demanda por milho e soja o cenário seja de firmeza, dois fatores de risco para os preços não podem ser esquecidos. Primeiro, como a dimensão da desaceleração norte-americana ainda é desconhecida, há possibilidade de que novas rodadas de vendas de ativos nos mercados de commodities agrícolas (entre elas, milho e soja) ocorram para cobrir prejuízos em aplicações no mercado acionário, o que poderia desencadear um ajuste para baixo nas cotações assim como ocorreu em março, dado que atualmente é bem significativa a alavancagem dos fundos de investimentos em aplicações atreladas a contratos agrícolas. Apesar de os fundos favorecerem a liquidez do mercado, muitas vezes eles intensificam bastante as altas ou baixas nas cotações, por realizarem grandes movimentos financeiros. No entanto, no longo prazo, as cotações tendem a convergir para a realidade da oferta e demanda. O segundo fator de risco reside na possibilidade de uma ação coordenada dos bancos centrais, principalmente nos países emergentes (de onde se origina boa parte da inflação mundial) para elevar juros sob o propósito de estancar as expectativas de inflação. Esta hipótese carrega consigo o ônus de um menor crescimento mundial e uma possível fuga das aplicações em commodities para alternativas atreladas aos juros, que capitaneadas pelos fundos de investimento e sob fundamentos fracos, poderiam alterar rapidamente suas posições implicando em quedas generalizadas das commodities agrícolas.

 

Resumindo, o cenário de preços tanto para o milho como para a soja indicam firmeza para o segundo semestre do ano, dado que o quadro de estoques baixos em nível mundial indica aperto inclusive até o final do ano-safra 2008/09 e deverá continuar dando sustentação aos fundamentos. No entanto, há possibilidade de que desequilíbrios internos entre a comercialização da safrinha e o ritmo de exportação juntamente da inevitável volatilidade associada ao andamento da ainda precoce safra norte-americana 2008/09 abram boas janelas de oportunidade para negócios.

 
 

 

Esta é a edição nº 20 do informativo eletrônico, Panorama do Leite, de 1º de Agosto de 2008, uma publicação mensal de responsabilidade do Centro de Inteligência do Leite CILeite, criado em parceria entre a Embrapa Gado de Leite e a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais – Seapa. Embrapa Gado de Leite – Chefe-geral: Paulo do Carmo Martins, Chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento: Pedro Braga Arcuri, Chefe-adjunto de Comunicação e Negócios: Marne Sidney de Paula Moreira e Chefe-adjunto de Administração: Luiz Fernando Portugal Silva. Editora Geral: Rosangela Zoccal. Coordenador de Jornalismo: Rubens Neiva. Redação: equipe técnica do CILeite. Colaboração: Vanessa Maia A. de Magalhães. Projeto gráfico: Marcella Avila. Estagiárias: Milana Zamagno e Katyelen da Silva Costa.

 

 

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