Lácteos: exportações seguem aquecidas mas desafios preocupam


Glauco Carvalho e Luiz Carlos Takao Yamaguchi - Economistas e pesquisadores da Embrapa Gado de Leite

 Alziro Vasconcelos Carneiro  - Médico veterinário - Embrapa Gado de Leite

glauco@cnpgl.embrapa.br

          

Ao longo dos últimos 20 anos o setor lácteo passou por diversas transformações e vivenciou momentos distintos. Isso inclui períodos de forte regulação como nos anos oitenta até desregulamentação na década seguinte. Mesmo nos diferentes ambientes de intervenção a produção sempre cresceu. Neste novo milênio a expansão da produção está sendo ainda mais robusta, com crescimento médio anual de 4,3% entre 2001 e 2006, ou quase duas vezes a média da economia brasileira, representada pelo PIB.

 

No entanto, essa expansão contínua da produção de leite cria novos desafios, já que o consumo interno tem evoluído em ritmo inferior. As diferentes taxas de crescimento fizeram com que, gradativamente, a produção per capita e o consumo per capita fossem se aproximando, até igualarem, a partir de 2004. Além da necessidade de alavancar a demanda doméstica torna-se fundamental uma inserção agressiva do país no mercado internacional de leite e derivados.

 

Em 2004, o Brasil registrou seu primeiro superávit na balança de leite e derivados com exportações de US$ 112,9 milhões de dólares. Em 2007, a exportação atingiu US$ 299 milhões. Boa parte desse resultado aconteceu pela valorização dos lácteos no mercado internacional e não pela elevação do volume embarcado propriamente dito.

 

Nos primeiros sete meses de 2008, as exportações atingiram US$ 290 milhões, indicando crescimento de 169% em relação ao mesmo período de 2007. Aliás, a receita de exportações de lácteos até o momento já é praticamente igual ao resultado obtido em todo o ano de 2007. Esse excepcional desempenho é devido a uma combinação de dois fatores: aumento de 74% no volume embarcado e de 55% nos preços. Essa é uma ótima notícia e mostra que nossas exportações estão gerando receita crescente e escoando parcela do excedente de produção.

 

Entre os produtos vendidos de janeiro a julho, o leite em pó foi responsável por 68% do total, seguido pelo leite condensado (16%) e queijos (6%). Além disso, estes produtos estão apresentando elevado crescimento nos embarques em relação a 2007 (Tabela 1). A receita com exportações de leite em pó aumentou quase quatro vezes. O leite condensado duplicou e os queijos aumentaram uma vez e meia. Outros produtos também estão se destacando, como a manteiga, cujas vendas triplicaram.

 

Tabela 1. Exportações brasileiras de lácteos, por produto: jan-jul/2008 (US$ mil)

 

Leites e derivados

2007

2008

2008/2007 (%)

Leite em pó

52.271,9

197.644,3

278,1

Leite condensado

21.138,8

45.736,9

116,4

Queijos

11.894,6

18.607,3

56,4

Leite Modificado

13.739,4

11.416,9

-16,9

Manteiga

2.933,6

9.532,8

225,0

Creme de Leite

3.895,7

4.893,4

25,6

Leitelho

1.369,2

2.294,3

67,6

Doce de Leite

278,7

355,7

27,6

Outros

206,5

97,9

-52,6

Total

107.728,4

290.579,5

169,7

Fonte: MDIC/AliceWeb. Elaboração: autores
 

Para os próximos meses vale destacar alguns pontos que devem nortear as estratégias da cadeia produtiva do leite. No mercado internacional os preços estão apresentando certa desaceleração, movimento distinto daquele vivido no ano passado. A essência desse movimento é uma combinação de recuperação da oferta global, estimulada pelos preços mais altos no último ano, e de certo enfraquecimento da demanda mundial, em função da inflação de alimentos, da corrosão da renda das populações mais pobres e da crise financeira que se revelou inicialmente no mercado imobiliário dos Estados Unidos, cujos efeitos e encadeamentos ainda não estão claros.

 

Na União Européia, o preço do leite em pó integral recuou 22% entre janeiro e setembro deste ano. Em relação a setembro do ano passado, a queda foi de 38%. A manteiga recuou 40% nesse mesmo período, enquanto o leite em pó desnatado caiu 45%. Apesar da queda recente, os preços seguem acima do patamar verificado dois anos atrás.

 

Como perspectiva, do lado da oferta as sinalizações são de alguma recuperação, capitaneada por Estados Unidos, Brasil, China e em menor escala, Argentina, Rússia e membros da União Européia. Nos Estados Unidos, por exemplo, a produção registrou incremento de 2,5% nos primeiros oito meses do ano em relação ao mesmo período do ano anterior. No Brasil, o crescimento da oferta também está acentuado. Os números recentes divulgados pelo IBGE na pesquisa trimestral de leite indicam crescimento de 14% na aquisição de leite inspecionado entre janeiro e junho de 2008, em relação ao mesmo período de 2007.

 

Pelo lado da demanda, a economia mundial deverá apresentar crescimento menor que o registrado nos últimos anos. As projeções do Fundo Monetário Internacional, publicadas em julho, indicam crescimento de 4,1% em 2008 e 3,9% em 2009, ante 5,0% de 2007. Ainda assim, espera-se crescimento relativamente acentuado nos países africanos, asiáticos em desenvolvimento e América Latina, todas, regiões de grande população. Nesse sentido, as perspectivas de exportação devem ser influenciadas por três pontos que merecem destaque: a crise americana, a taxa de câmbio e a concentração das vendas.

 

Sobre o primeiro ponto, está difícil mensurar o encadeamento da crise dos Estados Unidos. Quando e como esta crise vai afetar os países asiáticos e europeus e qual a intensidade dela sobre a renda mundial são questões em aberto. Um fato é certo, o mundo crescerá menos que o previsto inicialmente.

 

Em segundo lugar, a valorização da taxa de câmbio é perda direta de competitividade. Já dizia o ex-ministro Mário Henrique Simonsen, que “a inflação aleija e o câmbio mata”. Entre julho de 2006 e julho de 2008, o real se valorizou cerca de 27% ante o dólar, 26% ante o peso argentino, 22% ante a libra esterlina e 10% ante o Euro (Figura 1). A valorização do real ocorreu frente a várias outras moedas, inclusive de países exportadores de lácteos. Nos últimos dias verificou-se inversão desse movimento, com a taxa de câmbio superando o patamar de dois reais para cada dólar. Mas isso ocorreu em função de processos especulativos conjunturais e não por motivos estruturais. Assim, pior do que a valorização da taxa de câmbio é o aumento de sua volatilidade, o que dificulta inclusive o fechamento de contratos.

 

Como conseqüência, enquanto o preço médio de exportação de lácteos do Brasil aumentou 138%, em dólar, de julho de 2006 a julho de 2008, em reais essa valorização foi de 73%. Mas isso não ocorreu em todos os produtos, prejudicando a rentabilidade nas vendas de alguns lácteos. A manteiga e o leite em pó registraram valorizações importantes superando o problema cambial. Já o leite condensado, em reais, subiu 12% no período analisado. Para o doce de leite e o leite modificado a alta foi de 6,6% e 13,5%, respectivamente. Nos queijos a valorização foi de 20%. Cabe lembrar que a inflação do período foi de 10% e o preço do leite ao produtor subiu cerca de 49%.

 

Complicado? De fato é uma conta difícil de fechar, pois a indústria perde margem com a valorização do câmbio e precisa remunerar os produtores e cobrir a elevação dos custos de produção de leite, que, aliás, subiu bastante nos últimos dois anos puxados por milho, farelo de soja, sal mineral, fertilizantes entre outros insumos.

 

         Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: autores.

Figura 1: Valorização do real (em %) frente a outras moedas selecionadas: julho de 2008 ante julho de 2006.

          

Por fim, outra preocupação no âmbito das exportações refere-se ao destino dos produtos brasileiros. Nos primeiros sete meses desse ano, do total de lácteos exportados, 48,5% foi enviado a Venezuela, ou seja, de US$ 290,6 milhões embarcados pelo Brasil, a Venezuela sozinha comprou US$ 140,8 milhões. Somando Cuba e Senegal, tem-se um total 62% das exportações de lácteos do Brasil (Tabela 2).

 

Por causa da alta na cotação do petróleo nos últimos anos a Venezuela foi o país que mais cresceu na América Latina, mas também é aquele cujos rumos políticos mais preocupam. O petróleo participa com cerca de 80% das exportações da Venezuela e o Brasil vem se aproveitando disso. No entanto, é preciso buscar a diversificação de mercado como forma de administração de risco. O setor de carne suína é um bom exemplo desse tipo de risco. Com uma dependência elevada do mercado russo, a cadeia produtiva sofre frequentemente com embargos de Moscou ao produto brasileiro. No início desse milênio a Rússia comprava 80% da carne suína brasileira, porém aos poucos o setor vem conseguindo diversificar seus mercados. Em 2008 essa participação está em 43%. No relatório do Fórum Econômico Mundial - 2007/2008, dos 131 países analisados no pilar instituições a Venezuela ocupou a última posição. Dá para confiar?

 

Tabela 2. Exportações brasileiras de lácteos, por destino: jan-jul/2008 (US$ milhões)

 

País

US$ milhões

Participação (%)

Participação acumulada (%)

Venezuela

140,8

48,5

48,5

Cuba

22,7

7,8

56,3

Senegal

16,6

5,7

62,0

Sudão

14,2

4,9

66,9

Argélia

13,9

4,8

71,6

Angola

10,0

3,4

75,1

Argentina

8,0

2,8

77,8

Chile

4,4

1,5

79,4

Arábia Saudita

3,9

1,4

80,7

Colômbia

3,1

1,1

81,8

Outros

52,9

18,2

100,0

Total

290,6

100,0

 

Fonte: MDIC/AliceWeb. Elaboração: autores.
 

Esta é a edição nº 23 do informativo eletrônico, Panorama do Leite, de 10 de outubro de 2008, uma publicação mensal de responsabilidade do Centro de Inteligência do Leite CILeite, criado em parceria entre a Embrapa Gado de Leite e a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais – Seapa. Embrapa Gado de Leite – Chefe-geral: Duarte Vilela, Chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento: Rui da Silva Verneque, Chefe-adjunto de Comunicação e Negócios: Carlos Eugênio Martins e Chefe-adjunto de Administração: Antônio Vander Pereira. Editora Geral: Rosangela Zoccal. Coordenador de Jornalismo: Rubens Neiva. Redação: equipe técnica do CILeite. Colaboração: Vanessa Maia A. de Magalhães. Projeto gráfico: Marcella Avila. Estagiárias: Milana Zamagno, Katyelen da Silva Costa e Rafael Junqueira.

Para não receber mais este newsletter do Centro de Inteligência do Leite. Clique aqui