Fatores de risco para contagem de células somáticas

 

Guilherme N. De Souza e José Renaldi F. Brito, Pesquisadores da Embrapa Gado de Leite - gnsouza@cnpgl.embrapa.br

 

A contagem de células somáticas (CCS) no leite é o indicador usado em programas de controle e prevenção de mastite em todo o mundo. Nos últimos 50 anos, houve evolução em aceitar parâmetros de CCS para avaliar índices de mastite e conseqüentemente de qualidade do leite. A CCS do rebanho é usada para estimar o percentual de animais e quartos mamários infectados, além de obedecer a uma relação diretamente proporcional com perdas de produção. Desde a sua introdução no final da década de 60 a CCS de vacas tem sido usadas amplamente na América do Norte como uma ferramenta para monitorar os níveis de mastite em rebanhos leiteiros. O uso da CCS para monitorar a saúde do úbere tem provado ser uma ferramenta valiosa para estimar a presença de patógenos específicos da mastite, como o Staphylococcus aureus e Streptococcus agalactiae. De acordo com a literatura, considera-se que em vacas em lactação com CCS acima de 200.000 células/ml, há pelo menos um quarto mamário infectado.

 

Na Embrapa Gado de Leite foi conduzido um projeto sobre fatores de risco para mastite entre os anos de 2002 a 2005. Os fatores de risco para CCS acima de 200.000 células/mL em vacas em lactação foram associadas à altura do úbere, procedimentos inadequados de higiene durante a ordenha e na aplicação de antibióticos por via intramamária, falta de manutenção do equipamento de ordenha, ausência de treinamento dos funcionários da propriedade e ausência de suporte laboratorial   para  diagnóstico microbiológico  da mastite.  Os fatores  de

riscos identificados e quantificados no estudo estão apresentados na tabela a seguir.

 

Animais com a base do úbere abaixo ou junto ao jarrete apresentaram 1,73 vezes mais chances de terem a CCS acima de 200.000 células/ml em relação aos animais com a base do úbere acima do jarrete. Provavelmente, isso ocorre pelo aumento da exposição das extremidades dos tetos aos microrganismos ambientais. Os fatores de risco relacionados ao equipamento de ordenha foram: existência de rachaduras ou fissuras nas partes de borracha do equipamento, estado inadequado das teteiras, e deficiência na limpeza dos pulsadores. A troca periódica dos componentes de borracha e teteiras do equipamento bem como o treinamento dos ordenhadores quanto à utilização e manutenção do equipamento de ordenha são considerados pontos importantes no controle e prevenção de mastite. As teteiras em particular, podem funcionar como um elemento de transferência de bactérias de uma vaca infectada para uma sadia. O surgimento de fissuras nas partes de borracha do equipamento de ordenha facilita o acúmulo de leite e dificulta a aderência no teto dos animais, permitindo a entrada de ar no sistema, além de possibilitar a queda do conjunto de teteiras.

 

O segundo maior risco identificado foi a inexistência de programas de treinamento dos ordenhadores para a realização da ordenha. Nas propriedades onde os ordenhadores não recebiam qualquer tipo de treinamento, tais como: procedimentos durante a ordenha, uso e manutenção do equipamento de ordenha, realização do exame dos primeiros jatos de leite em todos os quartos ou realização do California Mastitis Test (CMT), os animais tinham 2,51 vezes mais chances de apresentar a CCS acima de 200.000 células/ml.

 

A busca pelo aperfeiçoamento da mão-de-obra deve ser um dos objetivos do produtor de leite para se tornar competitivo no mercado. Com ênfase no controle e prevenção de mastite, foi observado em estudos anteriores conduzidos na Embrapa Gado de Leite, que os procedimentos de higiene durante a ordenha não estavam bem difundidos em rebanhos leiteiros. Neste estudo, verificou-se que do total de 175 rebanhos leiteiros, a prática de realizar o tratamento à secagem em todos os animais, o exame dos primeiros jatos e desinfecção dos tetos após a ordenha foram observados em 48 (27,4%), 45 (25,7%) e 54

(30,9%) rebanhos, respectivamente. Tais procedimentos são fundamentais no controle e prevenção da mastite e merecem treinamento específico para a execução destas atividades adequadamente.

 

Nas propriedades em que não havia demanda por serviços laboratoriais (microbiológico) para o diagnóstico de mastite, os animais tinham 1,84 vezes mais chances de ter CCS acima de 200.000 células/ml, em relação aos animais das propriedades em que havia se realizavam análises laboratoriais. Considerando que a mastite é uma doença endêmica em rebanhos leiteiros, a avaliação periódica da saúde do úbere baseada em análises laboratoriais para CCS e/ou identificação dos agentes infecciosos permite maior sucesso no controle e prevenção. Portanto, com o suporte laboratorial pode-se identificar animais com infecções crônicas ocasionadas, principalmente, pelos patógenos contagiosos da mastite. Com o objetivo de diminuir a ocorrência da mastite no rebanho, o suporte laboratorial pode auxiliar na tomada de decisão, em procedimentos como antecipar o tratamento à secagem, fazer o descarte dos animais-problema e realizar a linha de ordenha. A identificação do tipo de patógeno envolvido é um fator importante, pois dependendo do agente infeccioso ou o padrão de infecção do rebanho, pode-se adotar diferentes estratégias para o controle e prevenção da doença.

 

Dois fatores de risco foram associados ao manejo. Um deles, foi a imersão dos conjuntos de teteiras em solução desinfetante entre cada animal. O outro fator foi a inserção total da cânula da bisnaga de antibiótico com via de aplicação intramamária. Propriedades onde os conjuntos de teteiras foram imersos em solução desinfetante entre a ordenha de cada animal tinham 2,19 vezes mais chances destes animais apresentarem a CCS acima de 200.000 células/ml em relação aos animais de propriedades em que essa prática não era realizada. Provavelmente a matéria orgânica, como leite e sujeiras, em contato com o desinfetante, neutraliza o seu princípio ativo. Assim, a solução desinfetante pode ter facilitado a transmissão de patógenos da mastite de um animal infectado para um susceptível por meio do conjunto de teteiras.

 

O procedimento de inserção total da cânula na aplicação de antibiótico intramamário foi o maior risco identificado no estudo, representando 2,64 vezes mais chance dos animais apresentarem a CCS acima de 200.000 células/ml em relação aos submetidos à técnica de inserção parcial da cânula da bisnaga de antibiótico. A adoção correta do método de inserção da cânula de antibiótico para tratamento à secagem ou de casos clínicos evita a introdução de microrganismos para o interior da glândula mamária. A inserção total da cânula pode aumentar o canal do lúmen levando à maior penetração de bactérias, além de contribuir para que as bactérias presentes no canal do teto sejam introduzidas na cisterna da teta. Estes resultados mostram a importância da realização correta dos procedimentos de tratamento intramamário para o controle da mastite.

 

Para fins de controle e prevenção da mastite na população estudada, a separação de animais com úberes junto ou abaixo do jarrete, manutenção do equipamento de ordenha, identificação de patógenos da mastite, treinamento dos ordenhadores para realização de ordenha, não-imersão do conjunto de teteiras em solução desinfetante entre a ordenha de animais, e a correta aplicação de antibiótico intramamário poderia proporcionar redução nos níveis de mastite dos rebanhos. A importância dos estudos sobre fatores de risco é que estes podem ser priorizados para populações e enfermidades específicas, contribuindo para o aprimoramento de programas de controle e prevenção de doenças em rebanhos leiteiros.

 

Ressalta-se que os estudos sobre fatores de risco não são definitivos porque não é possível em um só estudo incluir e avaliar todos os possíveis fatores de risco existentes no rebanho, especialmente porque as condições de manejo, idade e raça do animal, patógenos envolvidos na infecção intramamária e condições climáticas são muito variáreis. Portanto, estas informações devem ser usadas como indicativo e que atenção deve ser dada a outros possíveis fatores que podem estar presentes em uma determinada população de bovinos leiteiros.

 

Esta é a edição nº 14 do informativo eletrônico, Panorama do Leite, de 28 de dezembro de 2007, uma publicação mensal de responsabilidade do Centro de Inteligência do Leite CILeite, criado em parceria entre a Embrapa Gado de Leite e a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais – Seapa. Embrapa Gado de Leite – Chefe-geral: Paulo do Carmo Martins, Chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento: Pedro Braga Arcuri, Chefe-adjunto de Comunicação e Negócios: Marne Sidney de Paula Moreira e Chefe-adjunto de Administração: Luiz Fernando Portugal Silva. Editora Geral: Rosangela Zoccal. Coordenador de Jornalismo: Rubens Neiva. Redação: equipe técnica do CILeite. Colaboração: Vanessa Maia A. de Magalhães. Projeto gráfico: Marcella Avila. Editoração eletrônica: Angela de Fátima A. Oliveira e Leonardo Fonseca. Estagiário: Rafael Junqueira.

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