Impacto da adoção do programa de controle e prevenção da mastite na redução da contagem de células somáticas.

 

Guilherme Nunes de Souza, José Renaldi F. Brito,
Cristiano G. de Faria, Luciano C. D. de Moraes
Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, MG

          

           O grande avanço no controle e prevenção da mastite ocorreu na década de 60 do século passado em conseqüência da introdução do plano que ficou conhecido como o “plano dos cinco pontos”. O plano visa principalmente reduzir o número de novas infecções, eliminar infecções já estabelecidas e diminuir a duração das infecções por meio de terapias com antibiótico e descarte de animais. O foco foi dado na rápida identificação e tratamento dos casos clínicos, terapia da vaca seca em todos os animais, desinfecção dos tetos após a ordenha, descarte de animais cronicamente infectados e manutenção adequada do equipamento de ordenha. Um dos componentes do "plano dos cinco pontos" que mais influencia na redução de novas infecções é a terapia durante a lactação e/ou tratamento da vaca seca, podendo reduzir o risco de novas infecções intramamárias em até 50%. Manutenção da integridade da pele e extremidade dos tetos é parte de qualquer programa de controle da mastite pois foi verificado aumento na incidência de mastite em razão do funcionamento inadequado do equipamento de ordenha.


          O impacto da adoção do programa dos cinco pontos ao longo do tempo pôde ser observado por meio de dados retrospectivos de casos de mastite clínica e subclínica no Reino Unido. O impacto sobre a mastite clínica foi avaliado com base no número de novos casos no universo de cem vacas em lactação durante um ano (incidência de mastite clínica). A mastite subclínica foi avaliada com base na contagem de células somáticas (CCS) do rebanho (prevalência de mastite subclínica). No início da década de 1960 a incidência de mastite clínica no Reino Unido era aproximadamente de 150 casos/100 vacas/ano e após 20 anos da adoção do “plano dos cinco pontos” foi observada uma redução para 35 a 40 casos/100 vacas/ano. A média de CCS dos rebanhos era de aproximadamente 500.000 células/ml em 1971, enquanto em 1996 (25 anos depois) a média encontrada foi de 180.000 células/ml. A redução de aproximadamente 75% e 65% do número de novos casos de mastite clínica, bem como a redução da CCS do rebanho, respectivamente, foi atribuído principalmente a melhoria das práticas de higiene e manejo adotadas nos rebanhos leiteiros, conforme proposto no "plano dos cinco pontos".
 

          Outro exemplo do impacto da adoção de estratégias de controle da mastite, em particular do “plano dos cinco pontos”, foi melhor caracterizado no controle de patógenos contagiosos da mastite, principalmente Staphylococcus aureus, Streptococcus agalactiae e Streptococcus dysgalactiae, o que permitiu uma redução drástica na incidência dos casos clínicos (Tabela 1) e subclínicos (Tabela 2).

 

Tabela 1. Incidência e etiologia dos casos clínicos de mastite no Reino Unido em rebanhos leiteiros (casos/100 vacas/ano) entre os anos de 1967 e 1998.

 

Patógeno

Ano

1967

1982

1998

Staphylococcus aureus

67

7

2,2

Streptococcus agalactiae

6

1

-   

Streptococcus dysgalactiae

16

4

2,0

Streptococcus uberis

7

9

5,3

Escherichia coli

7

10

14,4

Outros

50

9

17,7

Total

153

40

41,6

 
 

Tabela 2. Proporção de rebanhos do Reino Unido classificados de acordo com a média anual da contagem de células somáticas (CCS) entre os anos de 1979 e 2001.

 

CCS (x1.000/ml)

Ano

1979

1993

2001

< 200

2

26

71

200 a 399

35

47

26

> 400

63

27

3

 

          Avaliando-se dados de CCS de rebanhos localizados na Região Sudeste do Brasil entre os anos de 2005 e 2007 apresentados no Panorama do Leite, n.??, 2008 (Tabela 3), observou-se que não houve grandes variações no percentual de amostras classificadas de acordo com os limites estabelecidos na Instrução Normativa 51 (IN51) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Atualmente em torno de 10% das amostras estão acima 1.000.000 células/ml, limite máximo estabelecido na IN51 até julho de 2008. Porém, a partir desta data o limite será reduzido para 750.000 células/ml e o percentual de amostras acima deste limite irá dobrar (20%). Considerando-se o limite de 400.000 células/ml a partir de 2012 para todo o país, aproximadamente 50% dos rebanhos estarão superior a este limite.


          Foi observado que no Reino Unido houve uma redução de 63% para 27% de rebanhos com CCS acima de 400.000 células/ml em 14 anos (1979 a 1993), e de 27% para 3% em 8 anos (1993 a 2001). Observa-se que esta redução do percentual de rebanhos com CCS acima de 400.000 células/ml para 3% ocorreu ao longo de 22 anos. Mesmo considerando as características dos rebanhos, sistema de produção e nível de tecnificação da atividade leiteira adotados no Reino Unido, os resultados mostram que o impacto da adoção de um programa de controle e prevenção da mastite para uma região ou país podem ser demorados dependendo da meta que se deseja alcançar. Considerando que em julho de 2012 o limite máximo da CCS do rebanho será de 400.000 células/ml no Brasil e atualmente em torno de 50% dos rebanhos apresentam CCS acima deste valor, um dos grandes desafios para a pecuária leiteira nacional é proporcionar esta redução em 4 anos.


          Este desafio pode ser vencido se houver uma difusão e adoção em massa sobre os principais pontos envolvidos no controle e prevenção da mastite. Esta recomendação é direcionada principalmente para os rebanhos com alta prevalência de agentes contagiosos da mastite e conseqüentemente com alta CCS.


          Para atender o limite de CCS proposto na IN51 em 4 anos, será necessário o esforço e envolvimento de todos os segmentos da cadeia produtiva do leite. A pesquisa pode contribuir no aprimoramento do programa de controle e prevenção da mastite e desenvolvimento de novas tecnologias. A difusão destas informações e novas tecnologias seria realizada por meio de profissionais da extensão rural ou autônomos para capacitação técnica dos profissionais envolvidos diretamente com a produção de leite. A indústria laticinista pode contribuir incentivando a redução da CCS por meio de programas de pagamento do leite baseado em indicadores de qualidade e o Estado fazendo cumprir as exigências mínimas de qualidade definidas na IN51 por meio de fiscalização. E finalmente, o consumidor, maior beneficiado com esta melhoria, exigindo cada vez mais qualidade e segurança do leite e seus derivados.
 

 

Tabela 3. Percentual de amostras que atendem os limites estabelecidos na Instrução Normativa 51 de acordo com os anos em amostras de leite de rebanhos bovinos localizados na Região Sudeste, Brasil

 

CCS (x1.000 células/ml)

Ano

2005

2006

2007

Número de rebanhos

12.686

31.713

47.501

Amostras analisadas

38.514

151.751

176.887

400.000

50,0

52,1

50,8

750.000

78,4

80,4

80,4

1.000.000

93,4

88,6

88,9

 

 

 

Esta é a edição nº 16 do informativo eletrônico, Panorama do Leite, de 11 de março de 2008, uma publicação mensal de responsabilidade do Centro de Inteligência do Leite CILeite, criado em parceria entre a Embrapa Gado de Leite e a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais – Seapa. Embrapa Gado de Leite – Chefe-geral: Paulo do Carmo Martins, Chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento: Pedro Braga Arcuri, Chefe-adjunto de Comunicação e Negócios: Marne Sidney de Paula Moreira e Chefe-adjunto de Administração: Luiz Fernando Portugal Silva. Editora Geral: Rosangela Zoccal. Coordenador de Jornalismo: Rubens Neiva. Redação: equipe técnica do CILeite. Colaboração: Vanessa Maia A. de Magalhães. Projeto gráfico: Marcella Avila. Editoração eletrônica: Angela de Fátima A. Oliveira e Leonardo Fonseca. Estagiário: Milana Zamagno.

 

 

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