A qualidade e a segurança do alimento são uma das maiores preocupações mundiais,
tanto que países e blocos comerciais têm criado legislações especiais para
proteger os consumidores, que, a cada dia, desejam saber o que compram e quem,
onde e como se produziu. Também, buscam informações se o meio ambiente foi
respeitado, se há ética na atividade geradora do produto e, sobretudo, se não há
prejuízos à saúde. Essa tendência delineia um novo perfil de consumo, no qual as
normas técnicas e outros mecanismos associados, como a certificação, passam a
ser peça central das discussões de acesso a mercados (Milan et al., 2007).
A partir de 2004 o Brasil passou de importador de lácteos a exportador. Com
isso, a exportação de leite tem sido tema de discussões constantes no setor. O
Brasil passou de importador de leite a exportador, ainda em valores não tão
significativos como outras cadeias do agronegócio, mas com perspectivas bastante
promissoras de exportação principalmente com a produção de derivados com maior
valor agregado (OCD, 2007).
No entanto, com o aumento da competitividade no cenário internacional e o Brasil
despontando com grande potencial de exportação, muitas barreiras deverão ser
criadas. Antes que estas se tornem realidade, há necessidade de diversas
melhorias no processo de produção e, paralelamente, da criação de mecanismos e
ferramentas para evidenciar que o processo produtivo e o produto, neste caso o
leite, atenda aos requisitos exigidos pelos mercados compradores.
O Brasil deve evidenciar não somente a qualidade do produto leite em si, no que
se refere à CCS, CTB, proteína e gordura, como exemplos, mas também o
atendimento a requisitos de bem-estar animal, legislação trabalhista, ambiental
e sanitária. Uma maneira de evidenciar o atendimento a esses requisitos seria
através da certificação.
A certificação é o modo pelo qual uma terceira parte (certificadora) dá garantia
escrita de que um produto, o leite, está em conformidade com os requisitos
técnicos especificados em Regulamentos Técnicos ou Normas Técnicas. Um dos
principais objetivos da certificação é prover confiança (Milan et al., 2007).
Dentre as novas tendências de mercado, a certificação de produtos agropecuários
tem se tornado uma necessidade iminente, com especial destaque para a
certificação da Produção Integrada. A Produção Integrada (PI) constitui-se numa
evolução dos regulamentos públicos tradicionais em direção a normalização e
certificação de processos produtivos seguros e sustentáveis.
A PI surgiu na Europa nos anos 70, visando reduzir o uso de agrotóxicos,
diminuir as agressões ao meio ambiente e oferecer produtos de maior qualidade. A
Organização Internacional para Controle Biológico e Integrado contra os Animais
e Plantas Nocivas (OICB) publicou as diretrizes gerais para a Europa a partir de
1993, (Andrigueto, 2002). No Brasil, a PI começou com a Produção Integrada de
Frutas (PIF), em 2001, por exigência do mercado da Comunidade Européia. Esse foi
o desafio colocado pelos mercados mais exigentes, condição para a continuidade
das importações de frutas, principalmente de maçãs brasileiras, garantindo – uma
certificação oficial – o cumprimento de todos os requisitos preestabelecidos,
permitindo ao país conquistar novos mercados e, ao mesmo tempo, manter os
clientes tradicionais (Brasil, 2009).
Após a bem sucedida experiência com a PIF, que já contemplou diversas espécies
frutíferas, foi demandada a criação de um programa semelhante para o leite
bovino. No final de 2005, o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) foi
selecionado para coordenar a elaboração e validação das normas da Produção
Integrada de Leite para animais de raças especializadas na produção leiteira.
O processo de implementação da Produção Integrada de Leite (PILeite) tem como
pré-requisito a sua regulamentação, onde serão estabelecidas as diretrizes e
normas a serem seguidas. As Normas Técnicas da PILeite foram definidas com a
participação de representantes da cadeia do leite, por meio de um Comitê Gestor,
visando assegurar uma produção de alta qualidade, o uso racional dos recursos
naturais e dos insumos agropecuários, e conta com diversos itens divididos nas
seguintes áreas: Capacitação de técnicos e produtores; Organização de
produtores; Recursos naturais; Requisitos dos animais; Manejo sanitário; Sistema
de rastreabilidade e cadernos de anotações; Assistência técnica; Registros;
Instalações, equipamentos e manutenção; Gestão de resíduos; Manejo alimentar;
Sistema de produção e manejo; Manejo sanitário – sanidade animal; Higiene,
limpeza e desinfecção; Controle de qualidade do leite; Legislação pertinente
(ambiental, trabalhista, sanitária); Equipamentos de ordenha, resfriadores e
manejo de ordenha.
As Normas Técnicas estão sendo testadas e validadas em oito propriedades rurais,
na região de Campos Gerais no Paraná (Castro, Carambeí e Palmeiras). Para a
seleção das mesmas, foram visitadas 22 propriedades, que haviam sido indicadas
pelos representantes do setor produtivo que integram o Comitê Gestor. Durante as
visitas, foi preenchido um questionário, em que, no item atendimento a
requisitos legais, foi identificada a disponibilidade do produtor em participar
do projeto. Do mesmo modo, a seleção das oito propriedades, pelo Comitê Gestor,
foi realizada verificando se os diferentes sistemas produtivos estavam
contemplados: pasto, confinado e semi-confinado bem como se havia propriedades
com diferentes raças especializadas com tamanhos de rebanho e volumes de
produção distintos (Züge et al., 2008).
Diversas dificuldades foram encontradas na implementação dos requisitos. Dentre
elas, podem-se citar: realização de todos os controles e registros; descarte
adequado de perfurocortantes, medicamentos vencidos e frascos vazios; área de
descarte de carcaças; comprovações de treinamentos dos colaboradores; e
atendimentos a todos os requisitos ambientais (Züge et al., 2008).
No entanto, itens como tratamento de dejetos, que, de modo geral, ocorrem em
grandes quantidades nas propriedades de leite, não têm sido de difícil
cumprimento. Do mesmo modo, o cumprimento da Instrução Normativa No 51 (IN 51)
de 18/09/2002, do MAPA, tem sido constante. A segregação de leite com resíduos
de antibióticos possui sistemáticas estabelecidas e cumpridas em todas as
propriedades. Por outro lado, em outros tratamentos veterinários não são
cumpridos os períodos de carência (Züge et al., 2008).
Para a finalização das normas, algumas etapas ainda devem ser cumpridas: a
edição do marco legal da produção integrada da pecuária; a definição de todos os
ensaios necessários para o leite; o grau de atendimento da Produção Integrada na
alimentação animal, em especial pela ausência desta em PI; definição de
requisitos ambientais de destinos de resíduos veterinários, entre outras (Züge
et al., 2008).
Após a publicação das Normas Técnicas da Produção Integrada de Leite pelo MAPA,
os produtores que aderirem a PILeite serão certificados com base em princípios
de sustentabilidade, substituição de insumos e métodos poluentes e rastreamento
de todas as etapas do processo de produção, sendo que, ao final do processo de
certificação, receberão um selo com a chancela oficial do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e do INMETRO comprovando o
atendimento as exigências da Produção Integrada.
A tendência é que os consumidores se tornem mais exigentes a cada ano e que
induzam o setor produtivo às adequações necessárias para se tornar mais
competitivo. Para atender a esses cenários, atual e futuro, é que a Produção
Integrada mostra-se cada vez mais presente, ampliando seus horizontes e
proporcionando condições de apoiar a transformação da produção convencional em
tecnológica, sustentável, rastreável e certificada – opções que propiciam maior
agregação de valor ao produto final e que atendem as exigências de mercados. A
Produção Integrada, dessa forma, constitui-se numa evolução dos regulamentos
públicos tradicionais em direção à normalização e certificação de processos
produtivos seguros e sustentáveis (Brasil, 2009).
Referências Bibliográficas
ANDRIGUETO,
J. R. Marco legal da produção integrada de frutas do Brasil/Organizado
por José Rozalvo Andrigueto e Adilson Reinaldo Kososki. Brasília: MAPA/SARC,
2002. 58p.
BRASIL. Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Produção integrada no Brasil :
agropecuária sustentável alimentos seguros. Brasília: MAPA/ACS, 2009.
1008 p.
MILAN, M.; ZEN, S.DE;
MIRANDA, S.H.G.; COSTA, E.J.C.; PINAZZA, L.A. (Ed.) Sistema de Qualidade nas
Cadeias Agroindustriais. São Paulo, 2007. 208p.
OCDE/FAO.
Agricultural Outlook 2007-2006.
França: OCDE publications, 2007.
ZÜGE, R. M.;
ABREU, C.O. de; CORTADA, C.N.M.
Sistema
Agropecuário de Produção Integrada de Leite Bovino.
In: XSEMINÁRIO
BRASILEIRO DE PRODUÇÃO INTEGRADA DE FRUTAS e II SEMINÁRIO SOBRE SISTEMA
AGROPECUÁRIO DE PRODUÇÃO INTEGRADA, 2008, Ouro Preto,
MG. Universidade Federal de Viçosa, 2008. (CD-ROM). |