Carrapato e vermes: inimigos do gado e do produtor - Parte 1

Márcia Cristina de Azevedo Prata - mprata@cnpgl.embrapa.br
John Furlong - john@cnpgl.embrapa.br
João Ricardo de Souza Martins - joaorsm@cnpgl.embrapa.br


O nome já diz: parasitas. Aqueles que vivem à custa de outro. No caso, os animais e, por tabela, os donos. Seja sugando o sangue do hospedeiro, seja desviando nutrientes para proveito próprio, carrapatos e vermes trazem danos consideráveis.

Os carrapatos têm ainda um importante agravante: “cospem no prato que comem”. Isso quer dizer que, ao mesmo tempo em que ingerem sangue do hospedeiro, devolvem excesso de líquidos para o organismo desse mesmo hospedeiro.

E é aí que mora o perigo: juntamente com esse líquido, são transferidos agentes de sérias doenças que, se não tratadas, podem levar o animal à morte.

E o produtor, na tentativa de evitar ou solucionar problemas, começa uma verdadeira via-crúcis de compra de carrapaticidas que vão sendo usados e trocados indiscriminadamente. Como conseqüências: resistência cada vez mais séria nas populações de carrapatos, resíduos no leite e muito desperdício de dinheiro, entre outros problemas.

Registros recentes, de 2002, estimam em dois bilhões de dólares os prejuízos acarretados somente pelo carrapato dos bovinos a cada ano no nosso País. As perdas determinadas pelos vermes, embora inquestionáveis, são mais difíceis de se quantificar, pois o inimigo, neste caso, está oculto e o exame de fezes muitas vezes não traz resultados conclusivos. E, é claro, os vermes também têm seus agravantes: quando um produtor percebe diarréia nos animais, principalmente na bezerrada, imediatamente põe a culpa nos vermes e administra um vermífugo, que pode resolver ou não. Os vermes são apenas um dos possíveis culpados: bactérias e vírus também podem ser os responsáveis e, nesses casos, o vermífugo de nada valerá. E além do mais: em caso de diarréia, temos que pensar no soro caseiro antes de qualquer outro remédio, pois os efeitos da desidratação são mais rápidos que os de qualquer micróbio ou parasita. E por outro lado, quando o produtor vê a bezerrada com tosse ou outro distúrbio respiratório, o diagnóstico vem na hora: pneumonia. Mas os vermes, neste caso esquecidos, podem ser os responsáveis por essa tosse...

Complicado, não? Nem tanto, se forem seguidas algumas regrinhas bem simples e básicas, específicas para cada caso, os parasitas de fora, carrapatos, e de dentro, vermes, que serão abordados isoladamente. Mas tem uma regra básica que vale para ambos e, se for levada em conta, já podemos contar com meio caminho andado: prevenção é a palavra-chave. O ditado é conhecido de todos: “prevenir é melhor do que remediar”. E quando o assunto é parasita, seja de dentro ou de fora, o produtor precisa saber que prevenir é muito mais barato que remediar. E prevenir, no caso dos parasitas é atuar na época de menores taxas de parasitismo.

Isso mesmo: existem épocas do ano que são naturalmente desfavoráveis à proliferação destes inimigos, em decorrência da ação de fatores climáticos, como temperatura, umidade e precipitação. Estes fatores, sem cobrar nada de nós, agem principalmente sobre a fase não parasitária dos inimigos, que é a fase em que estes estão no ambiente. Reduzindo-se as populações do ambiente, conseqüentemente são reduzidos, também, os níveis de parasitismo. Uma das chaves do problema está, então, em descobrir que fases são essas e agir racionalmente nesse período, com vermífugo ou carrapaticida, conforme o caso, com elevação das chances de sucesso, uma vez que se combate um inimigo já enfraquecido. Mas existem outras...

Resolvendo o problema "carrapato"

O primeiro ponto que deve ficar claro é que no Brasil existem mais de cinqüenta espécies de carrapatos. A maioria parasita animais silvestres. E há aqueles velhos conhecidos que atacam animais domésticos, como cães, cavalos e bovinos. Neste texto, abordaremos somente o inimigo de dois bilhões de dólares, ou seja, o carrapato dos bovinos. Todas as dicas apresentadas aqui valem somente para esta espécie e, se forem utilizadas para o combate de outras como o carrapato-estrela, por exemplo, o fracasso é garantido. Isso ocorre porque as medidas de controle são baseadas no ciclo de vida do agente a ser controlado e cada espécie de carrapato tem um ciclo com características próprias. O controle do carrapato-estrela, por exemplo, de tão diferente, merece ser abordado em um texto exclusivo.

Enfocando, então, o carrapato dos bovinos: será que esse inimigo é tão forte e poderoso, a ponto de nos “roubar” dois bilhões de dólares por ano?

A resposta é não. O carrapato bovino não é tão forte. Nós que damos força para ele, quando erramos nas práticas de combate. E por que o erro é tão importante? Porque cada mamona mal banhada que sobrevive ao tratamento gera aproximadamente 3000 filhotes, também com capacidade de resistir.

Banhar sem capricho é, portanto, um péssimo negócio para o produtor. Vamos, então, combinar uma coisa: o papel do produtor na luta contra o carrapato dos bovinos não é banhar. É banhar bem. Essas três letrinhas fazem a diferença e podem garantir a vitória. Mas, além do banho mal dado, existem outros dois erros: o tratamento é realizado na época errada, quando o inimigo está mais forte e o produto a ser utilizado é escolhido com critérios que não garantem a eficácia, como preço ou propaganda. Se esses três erros levam a perdas tão significativas, minimizar as perdas e garantir sucesso no controle significa deixar de cometê-los.

Em outras palavras: para a garantia de sucesso no controle do carrapato dos bovinos, precisamos saber dar respostas corretas a três perguntas: quando tratar, como tratar e que produto utilizar. Simples?

Ao lermos este texto, parece, mas na prática não tem sido assim. É importante ressaltar que o produtor tem que acertar nas três respostas, tanto na teoria quanto na prática, para vencer a luta. E como acertar? A Embrapa Gado de Leite pode ajudar, e muito, nessa tarefa.

Veja como, no decorrer deste texto.

Conhecendo o inimigo

A primeira medida que se tem que ter em mente quando se deseja combater um inimigo com eficiência e sem erros é conhecê-lo bem. Conhecendo a vida do carrapato, podemos descobrir e explorar seus pontos fracos para ver se viramos o jogo pois, no campeonato “homem X carrapatos”, a vitória tem sido sempre deles. A Embrapa Gado de Leite tem constatado isso ao longo dos últimos 12 anos: o quadro de resistência das populações do carrapato dos bovinos aos carrapaticidas é cada vez mais grave.

Os carrapaticidas que temos no mercado são ruins?

Em geral, não. São usados erradamente e, com isso, deixam de ser armas eficientes na nossa luta.

O carrapato dos bovinos passa uma fase da vida no animal e outra na pastagem. No corpo do bovino, machos e fêmeas copulam, a fêmea fertilizada se enche de sangue (mamona ou jabuticaba) e se desprende para, ao encontrar um abrigo no solo, iniciar sua postura de aproximadamente 3000 ovos.

Terminada a postura, a fêmea morre e, após um variável período de incubação dos ovos, eclodem as larvas que vão para a ponta da pastagem, aguardar a passagem de um hospedeiro adequado. As larvas, então, fixam-se no hospedeiro e se alimentam e mudam de estádio até chegarem ao ponto de mamona, fechando o ciclo. Exposto o ciclo, dois pontos devem ser destacados. O primeiro diz respeito a períodos. O tempo que o carrapato passa fora do hospedeiro varia de acordo com a época do ano e com a região geográfica e determina o momento de se tratar. Já o tempo que o carrapato passa sobre o hospedeiro, desde a subida da larva até a queda da mamona dura, em média 22 dias, seja qual for a época do ano e a região geográfica. Este período determina o intervalo entre banhos carrapaticidas, que deverá ser de 21 dias para que, com o banho, o carrapato seja atingido em algum momento de sua fase parasitária. O segundo ponto se refere a quantidades: se contarmos todos os carrapatos que parasitam todo um rebanho, o resultado será apenas 5% do total de carrapatos de uma propriedade. Os outros 95% se encontram no ambiente. E como atingi-los? Fazendo com que um animal banhado tenha contato com a pastagem contaminada para que funcione como um “aspirador” de larvas de carrapatos.

As larvas que subirem, morrerão ao terem contato com pêlos e pele do animal recém-banhado ou iniciarão o desenvolvimento, mas não terão chance de terminá-lo, uma vez que serão eliminadas no próximo banho. Mas para o processo dar certo têm que ser atacados os três erros, ou seja, deve ser utilizado o produto eficiente, na época adequada e da forma mais caprichada possível.

Que carrapaticida utilizar?

Embora estejamos abordando apenas uma espécie de carrapato, é importante ressaltar que dentro de cada propriedade existe uma população com um perfil particular de resistência. Na prática, isso quer dizer que um produto que é altamente eficiente contra os carrapatos da propriedade vizinha pode de nada valer em sua propriedade.

E como determinar o produto mais eficiente para cada propriedade?

"Atirar no escuro" gera aumento de gastos e aceleração do processo de resistência. O ideal é efetuar o teste carrapaticida. A Embrapa Gado de Leite realiza gratuitamente o teste para todo o Brasil. Basta coletar carrapatos de acordo com as instruções a seguir e enviar pelos correios. Juntamente com os resultados do teste são fornecidas informações para tratamento da forma correta e na época adequada. Atualmente são testados aproximadamente 20 produtos para tratamento sob a forma de banho. O produtor deve escolher, da lista de resultados, um produto com eficiência igual ou superior a 90% e utilizálo por até 12 meses. Após este período, repetir o teste para novo ciclo de tratamentos. É importante destacar que, embora os produtos para banho sejam geralmente os que necessitam de menor período de descarte do leite, este período, chamado na bula de “período de carência” deve ser respeitado, para garantir que o leite e os produtos derivados possam ser consumidos sem riscos à saúde humana.

Como coletar e enviar carrapatos para teste?

  • Separar dois ou três animais mais infestados e deixá-los sem contato com carrapaticida por pelo menos 25 dias, em caso de utilização de produto que age por contato (banho de aspersão) ou 35 dias, quando se utiliza produto pour on (na linha do dorso) ou injetável. Este cuidado deve ser adotado para que os carrapatos a serem utilizados no teste não tenham resíduos de carrapaticidas;
  • Coletar uma grande quantidade de carrapatos (por volta de 200). Só servem os carrapatos grandes e repletos de sangue, que são as fêmeas, conhecidas popularmente como “mamonas” ou “jabuticabas”. A melhor hora para coleta é o início da manhã, quando os animais encontram-se mais intensamente infestados por carrapatos com estas características;
  • Acondicionar em recipiente adequado (pote plástico ou caixa de papelão, contendo pequenos furos que possibilitem a respiração dos carrapatos, sem permitir a fuga destes);
  • Identificar o material, informando nome e município da propriedade, nome do proprietário, endereço para envio dos resultados e telefone;
  • Enviar por Sedex para:

    Embrapa Gado de Leite (carrapatos)
    Rua Eugênio do Nascimento, 610.
    Bairro Dom Bosco
    36038-330 – Juiz de Fora/MG

É importante que o material seja enviado no início da semana (segundas, terças ou quartas-feiras) e que o tempo entre a coleta e o envio seja o menor possível. O ideal é coletar e enviar no mesmo dia mas, caso não seja possível, pode-se fazê-lo no dia seguinte, desde que se tenha o cuidado de deixar os carrapatos, devidamente acondicionados, na parte inferior da geladeira. Para o envio pelos correios não é necessária refrigeração do material.

É importante ressaltar que os resultados são válidos apenas para a propriedade de onde foram coletados os carrapatos e que o teste é gratuito.

 

Esta é a edição nº 32 do informativo eletrônico, Panorama do Leite, de 28 de julho de 2009, uma publicação mensal de responsabilidade do Centro de Inteligência do Leite CILeite, criado em parceria entre a Embrapa Gado de Leite e a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais – Seapa. Embrapa Gado de Leite – Chefe-geral: Duarte Vilela, Chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento: Rui da Silva Verneque, Chefe-adjunto de Comunicação e Negócios: Carlos Eugênio Martins e Chefe-adjunto de Administração: Antônio Vander Pereira. Editores: Rosangela Zoccal e Glauco Carvalho. Coordenador de Jornalismo: Rubens Neiva. Redação: equipe técnica do CILeite. Colaboração: Pedro Gomide e Leonardo Gravina. Projeto gráfico: Marcella Avila.

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