Carrapato e vermes: inimigos do gado e do produtor - Parte 2

Márcia Cristina de Azevedo Prata - Médica veterinária, Ph.D - mprata@cnpgl.embrapa.br
John Furlong - Médico veterinário, Ph.D - john@cnpgl.embrapa.br
João Ricardo de Souza Martins - Médico veterinário, Ph.D - joaorsm@cnpgl.embrapa.br



Na primeira parte deste artigo, publicado na última edição do Panorama do Leite, procurou-se orientar o produtor sobre “quando tratar”, “como tratar” e “que produto utilizar” para que ele vença a luta contra os carrapatos. Informou-se, também, sobre como a Embrapa Gado de Leite pode ajudar nessa tarefa. Agora, será abordado o que deve ser feito para que se tenha garantia de sucesso no controle do carrapato dos bovinos.

Como tratar?

Banho carrapaticida dá trabalho. E o banho bem dado dá mais trabalho ainda. Mas o inimigo exige tal dedicação. Optar por produtos injetáveis não é uma saída adequada para o produtor de leite, uma vez que estes produtos exigem um período de carência longo, por volta de 30 dias de descarte de leite. Situação semelhante ocorre com muitos produtos de aplicação na linha do dorso ou pour on. Já que não podemos fugir do banho, quais as características de um banho bem dado?

  • Dose certa: a dose da bula. Nem mais nem menos. Subdosagens levam a aceleração da resistência e superdosagens representam grande risco de intoxicações.
  • Nunca misturar produtos: os produtos eficientes são, em sua maioria, associações de princípios ativos. Tais associações são testadas e aprovadas na dosagem e concentração indicadas na bula. Associar produtos leva a alterações em tais dosagens e concentrações, com sérios riscos à saúde dos animais e até do operador. Pelos mesmos motivos, nunca se deve utilizar um produto de forma diferente daquela preconizada na bula, ou seja, um produto para banho não deve ser aplicado sob a forma pour on e vice-versa.
  • Homogeneização: o ideal seria o preparo de uma “calda”, diluindo-se previamente a quantidade recomendada para o preenchimento de uma bomba em um balde à parte, com dois a três litros de água. O conteúdo do balde é, então, colocado aos poucos na bomba, adicionando-se água e mexendo sempre, até completar o volume recomendado.
  • Equipamento: quanto menos contato do operador com a solução, melhor para a saúde do operador e pior para o carrapato. Deve ser dada preferência a modelos em que o recipiente contendo a solução não fique “colado” ao corpo do operador.
  • Segurança do operador: uso de equipamento de proteção individual, como luvas, máscaras, macacão e botas é imprescindível. Carrapaticida é veneno. Nas primeiras aplicações pode não se sentir nada. Mas a exposição contínua ao produto pode levar a danos irreparáveis à saúde, até mesmo à morte.
    Pressão: deve ser suficiente para atravessar os pêlos, atingindo e molhando a pele, sem machucar o animal.
  • Aplicação: sem pressa e com capricho. Deve ser feita a favor do vento, no sentido contrário ao dos pêlos e com o animal contido (em brete ou cordas). Nada de ficar correndo atrás do animal a ser banhado. Deve ser banhada toda a superfície corporal do animal, atingindo-se até as regiões de mais difícil acesso, como úbere, face interna das orelhas e entre pernas.
  • Quantidade: 4 a 5 litros de solução para um animal adulto. Para bezerros, quantidade menor, proporcional ao seu tamanho.
  • Horário e condição: para reduzir riscos de intoxicações, nunca banhar em horas de sol forte e não banhar animais cansados e ofegantes. Evitar banhar em dias chuvosos, para garantir a eficiência do produto. Caso não seja possível evitar a chuva, deixar os animais por duas horas sob um teto após o banho e só então soltar no pasto.

Quando tratar?

O carrapato dos bovinos desenvolve quatro gerações por ano. Três são fortes e uma é naturalmente enfraquecida pelos fatores climáticos. Conforme já foi relatado, prevenir é a melhor tática no controle.

Isso significa que, em vez de agir continuamente contra as três fortes, devemos atuar preventivamente, concentrando os banhos carrapaticidas na geração mais fraca. Reduzindo-se essa geração enfraquecida, conseqüentemente serão reduzidas as gerações subseqüentes. Esse é o controle estratégico: realizar cinco a seis banhos carrapaticidas, um a cada 21 dias, no período de menores infestações. A quantidade de banhos e o intervalo entre aplicações não mudam, mas o período de realização variará de acordo com a região enfocada, conforme a seguir:

Regiões Sudeste e Centro-Oeste: nos locais mais próximos do nível do mar, a alta temperatura dos primeiros meses do ano reduz significativamente a quantidade de larvas na pastagem. Portanto, a série de cinco a seis banhos deverá ser feita neste período, de janeiro a abril. Em locais de maior altitude, onde a temperatura não faz muita diferença, a população enfraquecida ocorre durante os meses de mais baixa umidade, geralmente no segundo semestre, antes das chuvas, quando devem ser efetuados os tratamentos.

Nordeste (Zona da Mata e Agreste): a série de cinco a seis banhos deve ser iniciada entre janeiro e março, de acordo com o local, quando a umidade relativa e as chuvas são menores.

Sul da Bahia e Região Norte: a única “brecha” é o período de menos chuvas, geralmente entre agosto e outubro, quando deve ser iniciada a série de cinco a seis banhos.

Região Sul: como o frio intenso no meio do ano faz a população de carrapatos praticamente desaparecer, nesta Região o controle é diferente: somente três banhos, um a cada 90 dias, em setembro, dezembro e março.

É claro que devem ser levados em conta o tamanho e a heterogeneidade do território brasileiro. Cada localidade tem suas peculiaridades e o período de tratamentos pode e deve ser ajustado a estas, sempre levando em conta o fundamento do controle estratégico: efetuar tratamentos quando o nível de infestação é menor.

Com a realização do controle estratégico em períodos restritos, no restante do ano basta o monitoramento visual da quantidade de carrapatos presentes nos animais e a intervenção somente em casos de grandes infestações, com banhos a cada 21 dias, até que a situação volte ao controle. Uma dica é monitorar os animais mais parasitados (animais de “sangue doce”) a cada 21 dias, efetuando banhos extras somente naqueles que apresentarem 25 ou mais mamonas em um lado do corpo. Com o passar dos anos, cada vez será menor a necessidade de banhos extras o que, além de economizar dinheiro, contribui para retardar o processo de resistência. Mas é importante lembrar que, para que tudo funcione a contento, deve-se agir nos três pontos, utilizando o produto correto, na época adequada e da forma mais caprichada possível. E empregando-se a tática dos animais “aspiradores”.

Desta forma, estará garantido o sucesso na luta contra o inimigo de dois bilhões de dólares.

Resolvendo o problema “vermes”

Diversas espécies de vermes parasitam os bovinos. A maioria, quando na fase adulta, se aloja no estômago e intestino. São os vermes ou helmintos gastrintestinais que, quando em grandes quantidades podem causar diarréias, anemia, pêlo arrepiado e sem brilhos e perda de peso, entre outros distúrbios.

Mas há ainda os vermes pulmonares, que determinam desordens respiratórias como tosse, respiração ofegante e secreção nasal, além de emagrecimento.

Então, se o animal apresenta alguns destes sintomas, ele com certeza tem vermes e o tratamento é com vermífugos, certo? Errado. Outros agentes, como bactérias e vírus podem ser os causadores e a avaliação de um médico veterinário é muito importante para diagnóstico e tratamento corretos. Se, por outro lado, o rebanho não apresenta estes sintomas, é sinal que está livre de vermes? Errado também. Os efeitos dos vermes dependem de diversos fatores, como raça e idade do animal, estado nutricional e manejo.

Na maioria das vezes, os vermes atuam de forma silenciosa, desviando os nutrientes absorvidos pelos animais, gerando perdas de apetite e de peso, quase imperceptíveis ao produtor. O que fazer, então?

Assim como foi feito para carrapatos, primeiramente vamos conhecer a vida do inimigo: ovos dos vermes saem nas fezes e, no solo, desenvolvem-se até larvas, ainda no interior do bolo fecal. Sob temperaturas altas, o desenvolvimento é acelerado. Uma boa chuva desagrega esse bolo e permite a migração da larva até a pastagem, quando será ingerida pelo bovino e migrará até o local de predileção dos adultos de cada espécie. Já deu para perceber que temperatura alta e chuvas favorecem estes inimigos, principalmente os gastrintestinais, que estão em abundância no período chuvoso. Uma vez entendido o fundamento do controle estratégico para carrapatos, ficará fácil adaptá-lo para os vermes. A regra é agir preventivamente, nos períodos de menores níveis de parasitismo. Seguem, portanto, algumas dicas que poderão ajudar no combate aos vermes:

  • Uma vez que a maioria dos vermes está “em alta” na estação chuvosa, o tratamento estratégico deve ser realizado na estação seca: três aplicações de vermífugos, sendo uma no início, outra no meio e a terceira no final da estação seca darão combate a vermes gastrintestinais e pulmonares. Para animais de alto grau de sangue europeu, que são os mais sensíveis, é recomendada uma quarta vermifugação no meio do período chuvoso.
  • Devem receber tratamento somente os animais em idade mais susceptível à verminose, de 3 a 4 meses até o primeiro parto. Abaixo desta faixa etária os animais ainda não adquiriram vermes, devido ao hábito alimentar. E acima de dois anos, já adquiriram uma certa resistência. Normalmente têm vermes, mas em menor quantidade e não sofrem os efeitos da verminose. Devem ser tratados apenas se apresentarem sintomas. No entanto, deve-se salientar que, mais importante que tratar animais que necessitaram de intervenção fora desta faixa etária, é descobrir e eliminar as possíveis causas desta necessidade: ambiente excessivamente úmido, higiene inadequada, alta densidade de animais, entre outras.
  • Utilizar vermífugos com amplo espectro de ação, ou seja, com ação sobre vermes gastrintestinais e pulmonares.
  • Dar preferência a produtos que tenham ação sobre larvas e adultos, para evitar a necessidade de reaplicação em curto espaço de tempo.
  • Agrupar os animais por faixa de peso para facilitar a administração da dosagem correta.
  • Cuidado com desidratação. Para animais com forte diarréia, a primeira providência é o soro caseiro (5l de água de boa qualidade, 45g de sal, 250g de açúcar). Em casos mais graves o soro caseiro deve ser substituído por hidratação endovenosa.
  • Em caso de necessidade de administração de vermífugo em vacas em lactação, respeitar os períodos de descarte de leite estipulados na bula.

Uma dica final, que vale tanto para carrapatos quanto para vermes: ao adquirir animais, deve-se exigir que estes sejam tratados ainda no local de origem. Antes da incorporação ao rebanho, caso seja possível, estes animais devem ser mantidos isolados em observação por aproximadamente 30 dias.

Neste texto, foram apresentadas medidas simples que podem ajudar no combate a vermes e carrapatos, mas não substituem a atuação profissional. O acompanhamento do médico veterinário e a participação ativa de produtor e empregados são fundamentais para a garantia do sucesso.

 

Esta é a edição nº 33 do informativo eletrônico, Panorama do Leite, de 21 de agosto de 2009, uma publicação mensal de responsabilidade do Centro de Inteligência do Leite CILeite, criado em parceria entre a Embrapa Gado de Leite e a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais – Seapa. Embrapa Gado de Leite – Chefe-geral: Duarte Vilela, Chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento: Rui da Silva Verneque, Chefe-adjunto de Comunicação e Negócios: Elizabeth Nogueira Fernandes e Chefe-adjunto de Administração: Antônio Vander Pereira. Editores: Rosangela Zoccal e Glauco Carvalho. Coordenador de Jornalismo: Rubens Neiva. Redação: equipe técnica do CILeite. Colaboração: Pedro Gomide e Leonardo Gravina. Projeto gráfico: Marcella Avila.

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