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Com medo de ser feliz
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Quando duas pessoas se encontram e falta assunto, falam sobre o tempo: dia lindo, dia feio, muito frio, muito calor. Nos meses de agosto e setembro, os assuntos comuns foram os seguintes: a estiagem e...o preço elevado do leite. E, o setor, como reagiu a esta rápida ascensão do leite como vedete nacional?
O espaço dado pela imprensa ao preço do leite cresceu de modo vertiginoso, na mesma proporção em que os preços ao consumidor subiam. Começou em jornais impressos especializados, como Valor Econômico e Gazeta Mercantil. Depois, passou a ocupar espaço na Grande imprensa, como Folha e Estado de São Paulo, para chegar à televisão, culminando com fulminante aparição no Fantástico.
O preço do leite realmente subiu muito? Bom, depende do parâmetro de análise. Para responder esta pergunta, vamos comparar o comportamento de duas “commodites”, uma de mercado externo e outra de mercado interno. Para mercado externo, escolhemos o preço do Leite em Pó na Oceania, no atacado e, para mercado interno, o preço do Leite UHT no varejo brasileiro. Alguém poderia sugerir o Leite em Pó no varejo brasileiro. Mas, sabemos que esta forma de consumo de leite somente é importante nas regiões nordeste e norte.
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O Gráfico 1 demonstra que o preço do Leite em Pó começou a subir em agosto de 2006 e não parou mais de subir. Já o Leite UHT começou a subir somente sete meses depois, ou em março de 2007. Nos últimos doze meses, ou seja, entre setembro de 2006 e agosto de 2007, o Leite em Pó subiu 133,0%, enquanto que o preço do Leite UHT subiu 50,5%, ou menos da metade. Portanto, os preços da “commodity” brasileira não se realinharam nem rapidamente, nem na mesma proporção que os preços da “commodity” internacional. |
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A segunda pergunta é: o preço do leite está muito caro? Bom, depende novamente da ótica de análise. O Gráfico 2 demonstra que o consumidor brasileiro de Leite UHT pagou, em 2006, 41% do preço que ele pagava em 1980. Em 1980, ele pagava, em valores de hoje, R$ 2,70. Em 2007, o preço médio do UHT não chegou a esse preço... Além disso, o produtor recebeu, em 2006, uma média de 28% do que recebia em 1980. Naquele ano, em valores de hoje, o produtor obteve média de preços de R$ 1,80.
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O gráfico 2 revela, também, uma outra triste realidade, que é a pouca capacidade da cadeia produtiva de reter os ganhos advindos do esforço que realiza, ao otimizar processos e incorporar tecnologia. Afinal, transfere os ganhos para o consumidor, o grande beneficiário do esforço realizado em 26 anos. Ganha também o Governo que, em sua felizmente incessante busca para reduzir a inflação, tem nos produtores e na indústria de leite fluido seus grandes aliados. Portanto, o leite não é vilão da inflação. É, na verdade, o grande herói do combate à inflação. É herói, mas sem o devido reconhecimento! |
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Assim que iniciou a saraivada da imprensa sobre o setor, denunciando o exorbitante preço do leite, o setor assumiu timidamente a elevação de preços e, imediatamente, tratou de emitir sinais para a sociedade que o preço iria cair logo. Quem olhou de longe, ficou sem entender o que estava acontecendo. O consumidor pouco analítico, descrente das instituições e que supõe ser a “Lei de Gerson” a única que realmente vale, teve elementos para imaginar que a elevação de preços era movimento oportunista dos empresários da cadeia, o que inclui o produtor.
Já o consumidor com poder de análise, não entendeu se os motivos apresentados para elevação justificavam a previsão de queda de preços, já nos próximos meses. Afinal, informaram a ele que o crescimento de países subdesenvolvidos era causa da elevação de preços. Mas, esses países iriam parar de crescer nos próximos meses? Foi informado também que o preço do petróleo era outra causa. Mas, o preço do petróleo vai ficar baixo nos próximos meses? Falou-se também no fim dos subsidios na União Européia. Mas, esses subsídios vão voltar nos próximos meses? Por fim, informaram que os preços no mercado internacional estavam elevados e isso pressionava os preços internos. Mas, há previsão de queda de preços significativa no mercado internacional, nos próximos meses?
Tudo bem. A explicação para a queda pode estar em variáveis do mercado interno. Mas, os dados demonstram que o consumo está generalizadamente elevado na economia brasileira, crescendo cerca de 7% ao ano. Até produtos de preços elevados, como carro, está com demanda aquecida. E, mais, a população de baixa renda, que proporcionalmente melhor reage ao consumo de leite, está com crescimento de renda anual de 9%, ou seja, padrão China. E, não há expectativa de mudança significativa nesse quadro.
Ademais, por quê eu, que sou dono de supermercado, devo comprar leite caro, se o meu consumidor foi informado que o preço será menor? Eu tenho é que brigar para que o preço caia, não? Por que eu não aproveito o meu poder de pressão sobre a cadeia e forço a queda de preços, para poder continuar a ter o leite como chamarisco de vendas? E devo agir rápido, pois quanto mais rápido eu obtiver preços menores para o leite em relação aos meus concorrentes supermercadistas, melhor para mim, pois o consumidor foi avisado que o preço vai cair e está atento a isso. Afinal, ele viu no Fantástico, leu no jornal e ouviu no rádio o próprio setor dizendo que o preço vai cair...
O que se percebe é que os agentes produtivos se alinharam em prol da queda dos preços. Se alinharam contra os seus interesses. Também o produtor agiu dessa forma, ao informar a todos no seu círculo de relacionamento, que estava ganhando mais do que realmente esperava. Você já viu o setor de cimento anunciar que está ganhando mais do que gostaria? E o setor siderúrgico? E o setor automobilístico?
É possível que o setor, acostumado nos últimos anos a viver com forte pressão para inovação e forte concorrência, tenha tido o medo de conviver com a felicidade, e agiu para que esta fosse efêmera. Agora, com preços de milho e soja em elevação, os custos de produção já estão subindo, colocando em risco a rentabilidade.
Esse fenômeno recente do leite brasileiro demonstra que o setor necessita urgentemente de uma política de marketing, que coordene ações em defesa da imagem do leite. Se já estivesse em operação uma política nesse sentido, é possível que o consumidor fosse levado a absorver a elevação de preços. É possível que a margem bruta dos laticínios não estivesse tão apertada, como está nesse momento. É possível que os laticínios não começassem a ser vistos como vilão, pelos produtores, voltando ao desgastante cenário de conflito entre estes dois elos da cadeia. É possível que a sociedade começasse a aprender a respeitar esse setor no nível que ele realmente merece. É possível que o setor começasse a perder o medo de ser feliz. |
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Esta é a edição nº 11, do informativo eletrônico, Panorama do Leite de 04 de outubro de 2007, uma publicação mensal de responsabilidade do Centro de Inteligência do Leite CILeite, criado em parceria entre a Embrapa Gado de Leite e a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais Seapa. Embrapa Gado de Leite Chefe-geral: Paulo do Carmo Martins, Chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento: Pedro Braga Arcuri, Chefe-adjunto de Comunicação e Negócios: Marne Sidney de Paula Moreira e Chefe-adjunto de Administração: Luiz Fernando Portugal Silva. Editora Geral:Rosangela Zoccal. Coordenador de Jornalismo: Rubens Neiva. Redação: equipe técnica do CILeite. Colaboração: Vanessa Maia A. de Magalhães Projeto Gráfico: Marcella Avila. Editoração eletrônica: Leonardo Fonseca. Estagiário: Rafael Junqueira. |
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